terça-feira, 19 de março de 2013

Autos-de-Fé Financeiros ou cortinas de fumo?


De acordo com a Wikipedia “Auto-de-fé” refere-se a eventos de penitência realizados publicamente com humilhação de heréticos e apóstatas bem como punição aos cristãos-novos pelo não cumprimento ou vigilância da nova fé, postos em prática pela Inquisição, principalmente em Portugal e Espanha. A punição aplicada era habitualmente a fogueira, sendo que, os que mostrassem arrependimento e se decidissem reconciliar com a igreja, poderiam ser beneficiados com o “piedoso” acto de serem estrangulados antes de queimados.

O que temos presenciado nos últimos anos no que toca ao “apoio” aos países Europeus em dificuldades não passam de “autos-de-fé” financeiros destinados a punir e a humilhar os heréticos pelo não cumprimento da religião do equilíbrio das contas públicas.

Os Gregos aldrabam nas contas suas contas, estiveram anos a enganar o Eurostat e todos os seus parceiros Europeus, os cidadãos gregos gozam de privilégios insofismáveis; então, têm que ser punidos com cortes atrás de cortes nos seus orçamentos públicos, têm de penar através de sucessivas reestruturações da dívida que, pese embora conduzir a hair cuts para os credores, não há forma de se reduzir de uma forma sustentável para o País. Ardam na fogueira para toda a eternidade! Ámen!

Os Irlandeses, apesar de bons católicos, são de uma categoria diferente e, à sua maneira, também perigosa. Andaram a insuflar os Bancos até uma dimensão insustentável e a financiar um sector imobiliário sem futuro. Para além disso, sacrilégio dos sacrilégios, têm uma taxa de imposto sobre Empresas que atrai muitas Sociedades internacionais e a faz posicionar como um destino privilegiado de investimento direto estrangeiro. Isto, claro, concorrendo desonestamente com os seus parceiros Europeus. Têm que ser castigados! Vamos obrigar os bancos Irlandeses a honrar todas as suas dívidas para com bancos Alemães e vão ser os contribuintes Irlandeses a pagar o pato. Ardam na fogueira para toda a eternidade! Ámen!

Os Portugueses, esse povo que não se governa nem se deixa governar, têm um fetiche especial por alcatrão e cimento, por fazer estádios e remodelar escolas - que ficarão invariavelmente vazios! Ainda por cima, apesar de trabalharem horas a fio, são um povo improdutivo, desorganizado e só funcionam quando comandados por estrangeiros (veja-se a Autoeuropa). Obriguem-nos a cortas nos salários da malta, aumentem os impostos até ao nível do sufoco individual e coletivo e tirem-lhes o oxigénio essencial para viver. Eles aguentam! Ardam na fogueira para toda a eternidade! Ámen!

Finalmente, os mais recentes ”autuados”: os Cipriotas. Uma outra categoria de gente, claro! Operários de charuto na boca e copo de whisky na mão. Recomendados por mais de 50 marcas diferentes de máquinas de lavar a roupa! Habituados a estar intimamente ligados à oligarquia Russa e a outras companhias menos recomendáveis. Estávamos todos mesmo à espera de os apanhar em falso e fazê-los pagar por anos e anos de vida à margem da lei. Pois a malta que tem lá depósitos, seja Cipriota ou não, seja rico ou pobre, solteiro ou casado, com filhos ou sem filhos, vai ter de pagar dízimo para ouvir a próxima liturgia! Ardam na fogueira para toda a eternidade! Ámen!

A Alice entende que, se os “Autos-de-Fé” originais não foram muito eficazes a cumprir a sua missão de evangelização de infiéis, estes “Autos-de-Fé” financeiros também dificilmente cumprirão a sua missão de colocar de novo a economia a funcionar e o mundo financeiro a servir o seu fluxo sanguíneo. Colocar ideologia e obstinação à frente do pragmatismo e da racionalização dos problemas nunca foi muito produtivo e eficaz.

Claro que podemos ter uma outra leitura do problema…

Se nos lembrarmos quem eram os principais detentores de dívida pública grega, quem eram os maiores credores dos Bancos Irlandeses, quem eram os maiores financiadores do Estado e algumas Empresas públicas Portuguesas, e quem está sempre a pugnar pela harmonização fiscal da Europa, chegamos a uma conclusão que os principais interessados nas intervenções de salvamento eram… os Alemães!...

… que, a coberto destes “autos-de-fé”, logrou conseguir que a troika substituísse uma parte significativa dos seus riscos em cada um dos países intervencionados. Será que os “autos-de-fé” não são uma mera cortina de fumo para a mutualização da dívida dos países mais fracos?

Infelizmente, ainda vamos ter de esperar alguns anos para saber o que verdadeiramente se passa. Algo diz à Alice que este vai ser um período muito rico para os historiadores em geral e para os de economia em particular.

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