terça-feira, 18 de junho de 2013

Corticeira Amorim: xeque-mate ao saca-rolhas


A Corticeira Amorim lançou esta semana um produto inovador que poderá ter o condão de transformação de uma indústria inteira.




O Helix poderá estar para o sector do vinho como o iPhone da Apple esteve para o sector dos telemóveis!

Com efeito, a cortiça vinha perdendo uma franja considerável do mercado para os vedantes artificiais (sobretudo alumínio). Isto apesar de ser unanimemente considerada como superior, quer em termos de qualidade (na preservação das características organolépticas do vinho), quer em termos de performance, quer em termos de preferência pelos consumidores. Já para não falar na sua superioridade em termos ambientais.

A realidade é que muitos produtores, por razões de conveniência e de custo, vinham substituindo a nossa cortiça pelas tais caricas de ro(a)sca, sem qualquer personalidade ou diferenciação.

O Helix foi desenvolvido em colaboração com a Owens-Illinois, a maior produtora de recipientes de vidro do mundo, que certamente ajudará a divulgar e a comercializar este novo produto no mundo inteiro e, espera-se, com especial incidência no novo mundo onde os vedantes artificiais sempre tiveram uma implementação mais significativa.

Esta nova rolha (associada à respectiva garrafa) terá todas as características vedantes necessárias e habitualmente atribuídas à cortiça (conservação, preservação do gosto, etc.), acrescentando a conveniência de dispensarem o saca-rolhas pois funcionam num sistema de rosca (a rolha tem veios que “casam” com saliências no gargalo da garrafa). Um forte argumento de venda é serem compatíveis com as linhas de enchimento actuais, não exigindo investimento adicional por parte dos produtores.

Claro está que a penetração deste produto no mercado e o grau de substituição das ro(a)scas de alumínio dependerá do preço combinado da garrafa e da rolha. Admite-se que será sempre difícil combater nas franjas mais baixas do mercado em que o preço acaba por ser a variável determinante. No entanto, é importante para a Corticeira Amorim apresentar uma alternativa no mercado que valorize a sua matéria prima de excepção, aliás na senda estratégica que tem vindo a perseguir de dar novas utilizações à cortiça.

Em todo o caso, o potencial multiplicador desta ideia pelo posicionamento que possibilita à empresa e por estar associada a uma multinacional gigante do sector, beneficiando de uma exposição global, será muito significativo.

Tal demonstra aquilo que a Alice tem vindo a defender no seu blog, que Portugal tem muito a ganhar no curto prazo em apostar na inovação nos sectores em que já tem vantagens competitivas claras (deixando os delírios com os novos sectores tecnológicos para o médio/longo prazo) e nas grandes empresas (acreditando que as PMEs irão a reboque).

É sector a sector, empresa a empresa, inovação a inovação, produto a produto, que a grande batalha da competitividade se ganha e não com grandes políticas económicas emanadas do governo central. Este é um excelente exemplo. Parabéns à Corticeira Amorim!

segunda-feira, 17 de junho de 2013

O Lisbon Challenge


O Lisbon Challenge é um programa acelerador («acceleration program» na designação anglo-saxónica) destinado a empresas em início de vida («startups»), cujo objectivo passa por acelerar a passagem de uma ideia em embrião para uma empresa em crescimento rápido.



A Alice considera que este é o melhor programa do género jamais implementado em Portugal e com potencial para fazer a diferença. Vem na senda do “Start-Up Lisbon”, incubadora que ajudou Portugal a ser eleita como uma das melhores nove cidades do mundo para criar uma startup pela revista Americana Entrepreneur (ver post da Alice sobre este tema aqui).



O programa é inspirado no «MassChallenge” de Boston e, embora seja baseado em Lisboa, dará a todos os participantes uma perspectiva internacional uma vez que terá sessões que serão realizadas em Boston, Londres e São Paulo.

Serão ao todo 75 equipas, de qualquer sector, sem restrições. Os 10 vencedores partilharão um prémio de €150.000, sem exigência de qualquer contrapartida (em alguns programas do género esta recompensa assume a forma de investimento em capital). Para além deste prémio, existem outras compensações que incluem: (i) espaço de escritório gratuito; (ii) acomodação “low cost”; (iii) descontos nos transportes aéreos; etc.

A vertente preferida da Alice é a funcionalidade de “mentoring”, quer pela eficácia que um modelo deste pode ter se bem implementado, quer pela quantidade e qualidade dos mentores angariados para interagirem com as empresas do programa. Com efeito, na lista de mentores encontram-se quadros da Google, Microsoft, Paypal, Outsystems, Bloomberg Ventures, Portugal Ventures, ES Ventures, Farfetch, Deloitte, etc.

Parabéns à Beta-i, a organizadora, que tem tido um papel preponderante na divulgação do empreendedorismo na cidade de Lisboa. A Alice gostaria muito de ver um programa semelhante implementado na sua cidade!

Aos interessados em concorrer, apressem-se, pois já só têm até ao final do mês de Junho (o programa começa a 28 de Agosto). Mais informações aqui.


sexta-feira, 14 de junho de 2013

A greve não é a resposta


A greve é um instituto muito antigo e desenganem-se os que pensam que corresponde a uma conquista do 25 de Abril.

Com efeito, as primeiras paralisações de empresas datam de 1628, com a revolta das fiandeiras do Porto (cf. José Tengarrinha, Análise Social, 1981), e há notícias de algumas outras (poucas) ao longo de todo o século XVII. Estas paralisações eram fundamentalmente localizadas em empresas específicas e as suas razões tinham que ver com questões internas como, por exemplo, salários em atraso.

Os especialistas não são unânimes neste ponto, mas a primeira paralisação de trabalho que merece o epíteto de greve é atribuída aos operários das empresas José Pedro Collares & Filhos, Phenix, Vulcano e João Bachelay, todas elas situadas numa zona industrial junto ao Tejo. Esta greve data de 1849 e a razão da greve era lutar contra o… serão (cf. Aqui). Naqueles tempos o horário de trabalho compreendia um serão no Outono e Inverno, quando os dias eram mais curtos (trabalhava-se de sol a sol).

Desde logo, é importante destacar que as greves eram um instrumento de luta essencialmente do sector privado (em abono da verdade, o público era praticamente inexistente). Nas empresas privadas é que há mensuração adequada dos impactos económicos que uma greve pode ter e há uma lógica de luta de classes subjacente em que o trabalho demonstra ao capital o seu valor e a sua importância determinante para a vida e rentabilidade da empresa.

No sector público não é (só) o patrão que paga as consequências. Todos os beneficiários dos serviços públicos saem prejudicados. A lógica subjacente à greve deixa de ser económica e a luta de classes passa a luta meramente política em que os direitos dos trabalhadores se esbatem no direito dos sindicatos e no direito ao protesto generalizado sem critério.

Diga-se com frontalidade que fazer greve no sector privado é um acto de coragem. Optar por esta forma de reivindicação representa uma potencial ameaça para o posto de trabalho e para as condições dos trabalhadores, seja para os casos de empresas em que possam existir retaliações aos grevistas (infelizmente, tal ainda existe), seja porque pode representar uma ameaça à sobrevivência da própria empresa.

Um trabalhador privado sabe que se prejudicar o seu empregador pode não receber o salário ao fim do mês, um trabalhador público sabe que, por mais judiarias que faça ao seu patrão, a possibilidade de deixar de receber o salário é remota (até ao dia, claro… vejam o que aconteceu à televisão na Grécia…).

A grande conclusão é que o instituto da greve surgiu para protestar contra demasiado trabalho e contra uma divisão do “bolo” injusta entre capital e trabalhadores. Este instrumento não é adequado para um enquadramento económico em que o problema é que há pouco trabalho e o “bolo” está em redução acelerada.

Os professores lutam contra a mobilidade. Mas o que se faz aos milhares de professores com “horário zero” (que têm sido artificialmente reduzidos com recurso a expedientes, diga-se de passagem)? O que se faz às dezenas de cursos superiores que não têm quaisquer candidatos? O que se faz às escolas com uma dúzia de alunos?

Porque é que os professores, em fez de fazerem greve, não anunciam que os seus quadros mais desocupados durante o ano lectivo (os que iriam para a mobilidade) estão disponíveis para passar todo o verão a assegurar o funcionamento das escolas, garantindo uma solução aos milhares de pais que não sabem o que fazer aos filhos durante as férias escolares?

Porque é que os sindicatos não anunciam cursos a serem ministrados pelos docentes menos ocupados a todos os quadros da função pública que sejam afectos ao quadro da mobilidade?

Em suma, porque é que os professores não demonstram que são essenciais para a vida da sociedade e preferem antagonizar todos os seus concidadãos e prejudicar aqueles que menos opções e responsabilidades têm no estado actual das coisas, os alunos.

Desculpem a sinceridade da Alice mas a greve não é a resposta. Não trabalhar quando há tanta gente sem trabalho não é opção. Temos que conseguir colectivamente novas respostas para os problemas que atravessamos.

quinta-feira, 13 de junho de 2013

A aldrabice da agricultura


Anda para aí uma nova moda da agricultura.

Ele é feiras regionais e nacionais de gado, ele é feiras de vegetais e tubérculos, ele é prémios nacionais da agricultura, ele é o fomento aos jovens agricultores, etc., etc. Tudo, obviamente, com digno lugar de destaque nos nossos órgãos de comunicação social. Com efeito, não há nada com mais poder mediático do que um amplexo enternecedor de um político de samarra a um trabalhador de galochas ladeado por um simpático representante da classe bovina.

Enquanto este engodo andou na esfera dos privados e semi-privados, a Alice torceu o nariz mas deixou passar. No entanto, ao ser promovido à categoria de assunto nacional pelo discurso do 10 de Junho do Presidente da República (80% do discurso foi sobre agricultura), a Alice não pode deixar de aplicar o seu rigor analítico a este tema.

A pergunta é simples: o que significa a última frase do discurso do Presidente da República, no que à agricultura diz respeito? “Temos de valorizar o espaço rural e apoiar os jovens que querem colocar o seu dinamismo e as suas qualificações ao serviço da agricultura. Já muito fizemos, mas podemos – e devemos – fazer mais e melhor.”

Vamos a factos (cálculos da Alice com dados da Comissão Europeia):



A agricultura tem em Portugal um peso no PIB de 1,3%, valor acima da média europeia (1,2%) e acima de países tão respeitáveis como a Irlanda (1,1%), a Alemanha (0,6%), o Reino Unido (0,6%), a Bélgica (0,5%) e a Suécia (0,4%).

Em termos de produtividade da área agrícola, estamos ligeiramente abaixo da média Europeia (cerca de 20%), apesar de estarmos num ainda digno 16º lugar na Europa a 27, acima de países tão veneráveis como a Polónia, Irlanda e República Checa.

Em termos de auto-suficiência (produção/consumo) estamos praticamente na média Europeia (152% vs. 165%) num honroso 16º lugar, acima da Holanda, Alemanha, Dinamarca, Irlanda e Bélgica, todos eles, produtores significativos.

Onde é que ficamos claramente distantes da média Europeia? Na população empregue na agricultura. Nós temos cerca de 10% da população activa empregue nesta actividade face a 5,3% da média europeia. Acima de nós só países pouco recomendáveis como a Roménia, Bulgária e mais um ou dois.

A aposta dos jovens na agricultura só irá dar lugar a mais gente empregue neste sector ou, se os jovens apostarem pelo lado da inovação e da produtividade (o único ângulo que a Alice vislumbra como bom para os jovens), a mais desemprego. Pelas estatísticas, acima reproduzidas, o caminho do sector para o desenvolvimento só pode passar por menos pessoas empregues para assegurar a competitividade a prazo do mesmo. Precisamos de explorações maiores, mais eficientes, a empregar menos pessoas e a ganhar mais dinheiro.

Isto significa que a agricultura não está assim tão mal como alguns dizem, razão seja dada ao Presidente da República que era uma das mensagens que queria fazer passar no seu discurso. No que ele não tem razão é em puxar dos seus próprios galões elogiando o ex-Primeiro-Ministro Cavaco Silva. O que podemos dizer é que a agricultura está assim apesar de Cavaco Silva e não necessariamente devido a Cavaco Silva.

Com efeito, existem muitos bons projectos neste sector, que o Presidente também fez questão de salientar (tomate, olival, florestal, etc.), mas eles devem-se à actividade de operadores privados e não de um desígnio nacional definido num qualquer gabinete esconso da Horta Seca (desde logo uma designação esclarecedora no que a esta temática diz respeito), de São Bento ou de Belém!

Os políticos têm de aprender, de uma vez por todas, que não são eles que ditam em que é que os empresários, jovens ou velhos, devem investir. Sobretudo quando, como neste caso, não há sequer uma base lógica e sustentada em factos para o fazer. Neste campo, a aposta do Presidente da República na agricultura vale tanto (ou tão pouco) como a aposta do Ministro da Economia na re-industrialização. Tudo ideias que ficam bonitas num discurso do 10 de Junho mas que em termos práticos correspondem a uma mão cheia de nada.

Façamos um exercício matemático simples. Admitamos que esta aposta do Presidente é um sucesso e que duplicamos a nossa produção agrícola em 10 anos. Tudo o resto constante (o célebre ceteris paribus dos economistas), tal corresponderá a um crescimento de 1,3% no PIB em 10 anos, grosso modo cerca de 0,1% ao ano. É esta a solução para o nosso crescimento?

Por favor, não enganem mais os Jovens!...

terça-feira, 4 de junho de 2013

Gaspar aposta tudo no vermelho


A Alice aprendeu muito em Las Vegas. A visita ao casino da praxe permitiu aprofundar temas como a natureza humana, a estatística e a vida em geral.



Depois de ter passado ao lado da sua sorte de principiante e de perder a módica quantia de $500, a Alice decidiu parar de jogar. Um dos seus amigos, igualmente desasado no que à sorte de principiante diz respeito, decidiu contra-atacar com a roleta. Dizia que tinha uma táctica infalível para ganhar dinheiro neste jogo.


A Alice, com igual dose de curiosidade e desconfiança, quis perceber qual era a dita manobra. Seria possível que um Português vindo de tão longe tenha descoberto o santo graal que o tornaria rico antes da falência do próprio casino? “É fácil”, retorquiu o seu amigo, “Se jogarmos sempre vermelho e dobrarmos sempre que perdermos, havemos de ganhar porque acaba sempre por sair vermelho… só há duas hipóteses, vermelho ou preto… é fácil!”.

A Alice ainda tentou chamá-lo à razão argumentando que, primeiro, ainda há mais uma hipótese (o zero é verde), pelo que a probabilidade, apesar de próxima de 50%, não é exactamente 50% e, segundo, os sucessivos lançamentos são estatisticamente considerados como observações independentes, pelo que a probabilidade aquando do lançamento da roleta é sempre a mesma: perto de 50% de sair vermelho (a probabilidade não aumenta à medida que aumenta o número de jogadas).

Foi a experiência científica mais rápida de concluir. Passados nem 15 minutos o rapaz já havia sido derrotado pela roleta. É que duplicar a aposta a cada derrota corresponde a uma progressão geométrica que rapidamente se pode tornar muito dolorosa (experimentem fazer os números: se começarmos com lances de apenas €10 e a roleta demorar 5 minutos por cada jogada, se nunca sair vermelho, o rapaz já perdeu, ao fim de uma hora, €40.000 com aquela magnífica táctica! …).

A Alice tentou consolá-lo rematando a questão: “Sabes, a tua táctica até nem era má de todo, o vermelho havia de sair um dia, tu só precisavas era de ter dinheiro infinito para continuar a jogar até que o malfadado saísse!…”.

Vem isto a propósito de Vitor Gaspar ter decidido que o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social deveria passar o patamar mínimo de 50% de investimento em dívida pública portuguesa para 90%. Ora, à boa maneira do jogador de roleta, o Ministro das Finanças está a dar instruções para que o FEFSS duplique a sua exposição à dívida portuguesa e deixe praticamente de ter outros activos (o resto terá que ficar em dinheiro vivo, numa aplicação de boas práticas internacionais mínimas de gestão de activos).

As intenções de Vitor Gaspar são fáceis de adivinhar. Ao consolidar a dívida pública, este investimento abaterá ao total da dívida, baixando o seu rácio sobre o PIB. Assim, ficará mais perto (ou menos longe) do cumprimento dos objectivos definidos.

A contrapartida deste tratamento cosmético da nossa dívida é a de fazer uma aposta sem precedentes com o dinheiro de todas as avozinhas e avozinhos (actuais e futuros) Portugueses!

O FEFSS foi criado para acudir a uma eventual emergência de insuficiência de fundos do orçamento do estado para fazer face às nossas pensões. O montante actual do fundo, cerca de 11.000 milhões de euros (nota que este é o número ventilado nos jornais, já que o último relatório publicado data de 2009), dá para cerca de um ano de pensões. Num momento como o que vivemos, o melhor investimento para este tipo de Fundo seriam activos internacionais, nem que fosse dívida pública de outros países. Caso alguma coisa de mau acontecesse a Portugal (por exemplo, a saída do euro), ao menos sempre se salvaguardariam as pensões relativas a um ano (que, num cenário deste tipo, até poderiam dar para mais anos…).

Ao apostar (esta decisão não pode ter outra qualificação) com o nosso dinheiro desta forma, Vitor Gaspar demonstra ser ainda mais perigoso do que os famosos actores do “mercado financeiro” que nos estão sistematicamente a impingir como justificação para todos os desmandos. Se isto correr mal, vai tudo ao fundo e nós (e as nossas poupanças) também vamos.

A Alice fica à espera da decisão sobre o que vai acontecer à estrutura montada para a gestão do Fundo que, de acordo com o que é dado a perceber no relatório de 2009, custa €2.500.000 por ano. Não é que seja um valor elevado em termos relativos face aos fundos geridos mas, convenhamos, para cuidar de uma carteira de dívida pública portuguesa que se destina apenas a fazer “netting” com a dívida pública emitida não serão precisos grandes magos da finança. Aliás, nem são precisos nenhuns, pode ser tudo directamente gerido pelo IGCP.

Aqui há tempos (Outubro do ano passado) a Alice estranhou a saída do Prof. Daniel Bessa da Presidência do Conselho Consultivo do FEFSS. Na altura ninguém se interessou por entender as razões desta saída. Percebe-se agora que uma das coisas que estavam a causar mau estar era a pressão, que já vinha sendo sentida há 3 anos, para que o FEFSS investisse mais dinheiro em dívida pública portuguesa.

Esta decisão é completamente irracional e, no mínimo, irresponsável, para não dizer que raia o criminoso. Depois não digam que a Alice não avisou.

segunda-feira, 3 de junho de 2013

O (Des)Governo da Caixa Geral de Depósitos


A Caixa Geral de Depósitos proporciona um espectáculo confrangedor no que respeita à sua governação. À luz dos desvarios a que temos assistido é fácil perceber porque é que a instituição não funciona e os péssimos resultados com que brinda os seus accionistas (todos nós). De facto, com episódios destes, o trabalho dos críticos da existência de um banco público (como a Alice) é facilitado. 

Alguns apresentam o modelo de governação (Chairman / CEO) como o principal problema. Esse é o menor dos males. A Alice não enjeita a possibilidade de haver um Chairman sem pelouros executivos que tenha como principais funções a representação institucional do banco, a estratégia de médio e longo prazo e a supervisão da gestão do CEO e dos restantes administradores executivos. Sendo um banco, também se esperaria de um Chairman um acompanhamento próximo da temática do risco, mas sempre numa óptica de avaliação permanente do trabalho da equipa de gestão. 

Se a existência de um Chairman é relativamente pacífica, já não será tanto assim para os restantes administradores não executivos. A lógica de ter administradores não-executivos numa Sociedade (sublinhe-se que, à luz da lei vigente em Portugal e da prática habitual, não existem administradores não-executivos) é que eles participem, em nome dos accionistas (que, nas grandes empresas anglo-saxónicas, pouco mandam) na determinação da estratégia da Empresa, no controlo da gestão executiva e pouco mais. 

Ora, se o Estado é que vai dar uma carta de missão à Administração, determinando inexoravelmente a sua estratégia e se o Estado exerce sempre (e bem, porque é assim que tem de ser) o seu poder de acionista único do banco, dando instruções, nomeando e despedindo administradores e gestores, por que carga de água são necessários administradores não-executivos? Que interesses estão lá para defender? 

Para piorar a questão, assistimos a toda a gente a dirimir em praça pública os equilibrismos que estão por detrás de cada uma das nomeações. Este vai porque é do CDS, aquele porque está próximo do Ministro das Finanças, aqueloutro porque é íntimo do Governador do BdP. Ninguém parece preocupar-se com o facto de a administração de uma empresa ter de constituir-se como uma equipa, que vai trabalhar em prol do negócio da Empresa a gerir e não para segmentos específicos de poder que ninguém descortina de que tipo de legitimidade emanam. 

Uma nota muito particular para o facto de quadros do Banco de Portugal integrarem a administração da Caixa e vice-versa. Não faz qualquer sentido, num sector em que a regulação assume uma importância determinante no seu funcionamento, que quadros do regulador se sintam confortáveis em entrar neste jogo de cadeiras. Seria o mesmo que o Victor Baía se tornar árbitro e apitar uma final Porto-Benfica ou Pedro Proença ser anunciado como substituto de Jesus no Benfica… Qualquer das situações cairia mal. 

Anunciar a composição da administração a conta-gotas já está no âmbito do incompreensivelmente ridículo. Não se entende como é possível gerir equipas e instituições desta forma. Não há tempo para tratar os assuntos até ao fim? Não há pessoas para ocupar os lugares? Ainda há mais “combinações” a fazer? 

No meio disto tudo, o que ainda causa mais confusão à Alice é como os visados se sujeitam a isto, em especial o CEO que vai ter de gerir uma equipa que não escolhe, a trabalhar cada um para o seu lado, cada um com a sua agenda e idiossincrasias. 

Quando as coisas correrem mal novamente a quem vamos pedir satisfações? Ao CEO que gere mas não faz a equipa? Aos não-executivos que não gerem nem determinam a estratégia? Ao Chairman, que não se percebe bem o que faz? A Vitor Gaspar? Aos partidos? Ao primeiro-ministro?