quarta-feira, 27 de março de 2013

Resgatados – Os bastidores da ajuda financeira a Portugal


Revisão do Livro “Resgatados” de David Dinis e Hugo Filipe Coelho 


A Alice terminou ontem a leitura deste livro. Que oportuno! 

Os autores fizeram um excelente trabalho de relato do sucedido em Portugal no curto período compreendido entre Março de 2010 e Junho de 2011 no que diz respeito ao resgate internacional que Portugal viveu. 

Sublinhe-se que este trabalho é tanto mais notável, quanto é sabido que, por um lado, os autores Portugueses são geralmente fracos neste género biográfico e, por outro, os acontecimentos relatados ainda não beneficiam do distanciamento histórico necessário para uma cabal apreciação. 

Apesar do relato obedecer à linha cronológica na qual os acontecimentos se foram desenrolando, o ritmo e a crueza – no sentido do rigor jornalístico, entenda-se - com que os factos são apresentados tornam a sua leitura empolgante. 

Para além do inventário dos relatos da imprensa da época, o livro não teria a força que tem se não fossem as entrevistas feitas pelos autores que ilustram alguns eventos e conversas habitualmente confinadas ao recato dos gabinetes e corredores do poder. A Alice suspeita que Teixeira dos Santos terá sido um dos grandes contribuidores para os principais “insights” do livro. 

O livro esclarece muitas questões que poderiam ainda suscitar algumas dúvidas na mente de pessoas menos atentas: 

- O início de 2010 marcou a inversão política da EU de aposta de investimento público como resposta à queda do Lehman em 2008, para uma política de austeridade. “O mundo mudou.” foi a frase proferida pelo primeiro-ministro Português; 

- As emissões da dívida pública a partir de Janeiro de 2011 eram completamente artificiais. As taxas a que a dívida era comprada, quase totalmente pelos bancos portugueses, eram combinadas para que os juros não disparassem; 

- Luís Amado defendeu junto de Sócrates a adopção da regra de ouro e a bondade de uma coligação ao centro para resolver a situação do País; 

- O Presidente da República interveio bastante na passagem do Orçamento para 2011, sendo que Passos Coelho marcou duas condições para a viabilização do mesmo: que se cortasse mais despesa e que não houvesse aumento de impostos (pois…); 

- Sócrates andou activa e pessoalmente a vender a dívida Portuguesa pelo mundo fora, nomeadamente na célebre viagem ao Qatar e EAU, que o Governo disfarçou de visita empresarial; 

- Teixeira dos Santos foi incansável na defesa, primeiro dos cortes mais agressivos na despesa, depois da intervenção da Troika. Esteve em incontáveis reuniões e escreveu inúmeras comunicações aos vários ministros e a Sócrates sobre estes temas para defender as suas posições; 

- Na última reunião para negociar o PECIII, Catroga “fintou” Teixeira dos Santos para que não houvesse qualquer manifestação pública do momento: “Saímos e damos um aperto de mão!”; “Era o que faltava, não tenho de dar apertos de mão a ninguém”… no seu bolso já estava o telemóvel com a célebre fotografia da assinatura; 

- Na reunião seguinte da Comissão Permanente do PSD, Passos deu uma garantia: “É a última vez!”; 

- Sócrates informou Passos Coelho dos contornos do PEC IV que iria apresentar em Bruxelas, o que Passos Coelho nunca assumiu, mas não terá informado o Presidente da República, o que o deixou “visivelmente irritado” e acabou por não fazer nada para evitar a queda do Governo; 

- Sócrates tentou, até à última, i.e. até praticamente não haver dinheiro nos cofres para pagar salários da função pública sequer, evitar pedir o Resgate; 

- Os bancos tiveram uma importância crucial no pedido do Resgate, na medida em que se recusaram a continuar a financiar sozinhos a economia; 

- Foi Teixeira dos Santos que tornou inevitável a intervenção da Troika, com uma entrevista à jornalista Helena Garrido do Jornal de Negócios. Foi uma jogada premeditada que Sócrates nunca mais lhe perdoou. 

Mas a parte mais “sumarenta” do livro prende-se com as historietas e chistes de bastidores como, por exemplo: 

- Ficamos a saber que o primeiro-ministro na altura da subida constante dos “yields” da República tinha um terminal Reuters na sala contígua ao seu gabinete que consultava, por vezes, com a regularidade de um “trader” de uma sala de mercados; 

- A partir de certa altura tornou-se assessor de imprensa dele próprio, chegando a falar 5 vezes num dia com o mesmo jornalista; 

- Aquando das discussões do OE2011, a cada proposta dos ministros para cortar na despesa “… Teixeira dos Santos respondia num cerrado sotaque nortenho e de cara fechada. "“Num” chega!"; 

- Teixeira dos Santos estava acantonado contra todo o resto do Governo defendendo que seria preciso a intervenção. A resposta de Sócrates, por mais do que uma vez: “É possível e nós vamos resistir, porque isto é um Governo Socialista”; 

- Há um tema particular em que Teixeira dos Santos insistia sempre, nos seguintes termos: "Houve um velho senador romano, Catão, que terminava todos os discursos no senado dizendo “E Cartago deve ser destruída”. Eu, sempre que intervir, direi: “E a RTP deve ser privatizada”"; 

- Os problemas com Strauss-Kahn são épicos. Depois de ter contribuído para a sua eleição para presidente do FBI (com telefonema feito por Sócrates, a pedido de Sarkozy, a Lula da Silva para garantir o apoio Brasileiro ao Francês), este recusou-se a fazer uma declaração institucional a defender Portugal, conforme Sócrates lhe havia pedido. ““Sabe, estive aqui a ver e nós achamos que você deve pedir ajuda já” Sócrates nem queria acreditar”; 

- Quando avisavam repetidamente Sócrates da inevitabilidade de ceder à pressão dos Bancos e dos mercados habituou-se a responder irritado: “Conversa de Funcionário”; 

- Sócrates considerou, de facto, que foi traído por Teixeira dos Santos, “Pelas costas, como um patife” e a última conversa privada que mantiveram os dois acabou com um “Cortamos relações!” 

- Isto explica a postura de Teixeira dos Santos na célebre conferência de imprensa em que Sócrates perorou sobre “o que não faremos” sem nunca dizer o que iria fazer. 

A transcrição do discurso de Passos Coelho numa convenção autárquica do PSD em Viana do Castelo pela altura do chumbo do PEC IV chamou particularmente a atenção da Alice: “Não podemos estar sempre a dizer que não precisamos de ajuda, que a execução do orçamento está a correr impecavelmente, mas depois temos de aumentar impostos, cortar nas reformas, fazer muitas outras coisas – nomeadamente, aquelas que o Governo se tinha comprometido a não fazer quando fez o acordo com o PSD para viabilizar o orçamento, que era não tocar nas despesas que as famílias têm na educação, saúde e habitação, e não tocar no IVA dos produtos essenciais. Tudo isso hoje voltou à agenda do dia. Então… e precisamos de fazer isto tudo porquê? Porque está tudo bem ou tudo mal? Se o PSD não viabilizar… e eu já disse: não viabilizaremos estas medidas”. Afirmações bastante premonitórias vindas de Passos “Zandinga” Coelho. 

Mas Sócrates também não deixou as suas credenciais de “Zandinga” por mãos alheias. No Fórum da TSF de 29.04.2011 afirmou “Ainda vamos ter saudades do PEC”. 

Na nota prévia os autores afirmam: “Neste livro não deve ser procurado qualquer juízo sobre as decisões e motivações dos actores políticos”. Alcançaram este desígnio com distinção e escreveram um livro muito interessante de ler.

No entanto, a Alice, sempre ávida de pormenores de bastidores, ficou ansiosa por mais. Pode ser que veja a sua curiosidade satisfeita a partir de hoje com as intervenções semanais do antigo Primeiro-Ministro.

segunda-feira, 25 de março de 2013

Repartir ou fazer crescer o “Bolo”?


As discussões que têm sido alimentadas na praça pública (e fora dela) têm sido direccionadas para a forma como se reparte o “bolo” que é o produto do nosso País. Funcionários públicos recebem menos para pagar a mais desempregados, as PPPs diminuem os seus encargos para acomodar reduções nas receitas fiscais, o investimento sofre para se pagar mais juros. Esta discussão fica mais difícil quando o “Bolo” diminui sucessivamente, qual cozinhado mal confeccionado ou com falta de ingredientes (provavelmente fermento).

Ultimamente, os cozinheiros começaram a manifestar uma maior preocupação com o crescimento do “Bolo”. Avisada inquietação, na medida em que repartir cada vez menos apenas conduz à frustração de todos.

Infelizmente, o crescimento do “Bolo” depende de vários cozinheiros, i.e. de todos os agentes do País. Os culpados do cada vez mais reduzido manjar não são só os governantes. Os nossos agentes económicos são também demasiado individualistas. Dificilmente se põem de acordo sobre qual a melhor forma de fazer crescer o “Bolo”. Nas palavras de um empresário Espanhol que a Alice conheceu em tempos: “os portugueses nunca se preocupam em ganhar dinheiro com os clientes, preocupam-se em guerrear os sócios e esmagar a concorrência…”.

Esta dificuldade de articulação manifesta-se diariamente: (i) a falta de força do associativismo empresarial; (ii) a eterna discussão empresas vs. bancos; (iii) a dicotomia produtor vs. grande distribuição; etc. Até nas coisas mais prosaicas se nota este espírito, chamemos-lhe “demasiado competitivo”, como, por exemplo, no caso do empregado que abandona uma empresa para criar outra ao lado fazendo exactamente a mesma coisa e levando empregados, ideias e clientes (aconteceu recentemente no cabeleireiro frequentado pela Alice).

Utilizando as palavras de Seth Godin sobre esta matéria em livro já revisto neste blog (http://aliceemportugal.blogspot.pt/2013/03/the-icarus-deception-by-seth-godin.html):

“A idade industrial abraçou a ideia de jogos finitos. A quota de mercado é um jogo finito. Os jogos infinitos, por seu turno, são jogados pelo privilégio de jogar. O objectivo de um jogo infinito é permitir que os outros jogadores joguem melhor”.

Vamos, então, ajudar-nos uns aos outros a jogar melhor e… a sermos melhores cozinheiros…

sexta-feira, 22 de março de 2013

Soluções para Portugal by Luís Folhadela Rebelo


A Alice estreia hoje um novo formato que pretende dar à estampa “guest posts” de seus leitores mais assíduos. Para primeiro convidado a Alice escolheu o Luís Folhadela Rebelo, seu amigo de longa data, dono de um humor apurado, crítica mordaz e uma escrita de fino recorte literário.

Neste “guest post” ele elenca os possíveis desfechos na actual novela do Euro para Portugal:

1. Default ou, para recorrer ao eufemismo próprio dos jornais, "reestruturação com haircut da dívida" (provável e doloroso)

2. Saída do Euro ao estilo Hara-kiri (sozinhos). Não muito aconselhável, a menos que o BNA promova a livre convertibilidade do novo escudo em Kwanzas

3. Saída do Euro em conjunto com os demais dos países do sul (talvez não fosse o pior)

4. Saída da Alemanha do Euro, eventualmente acompanhada de alguns outros ranhosos (resultado mais ou menos idêntico ao exercício anterior, mas pior em termos de auto-estima)

5. A Catalunha torna-se independente, o Beppe Grillo forma governo, o Bloco sobe ao poder e toda a malta se inspira na Argentina e decide não pagar dívidas (é capaz de ser melhor não brincar muito com este cenário)

6. É descoberto petróleo ou gás natural (pouco provável, para além de que, se vier a ocorrer, provavelmente não chega a tempo de evitar o default)

7. A Sra. Merkel vem passar férias ao Algarve, fica enternecida com a hospitalidade dos portugueses, e suaviza o garrote (também pouco provável, mas não custa nada insistir em convidá-la)

8. A solução do “corralito” cipriota pega moda e estende-se ao Sul da Europa, o qual volta à economia directa. A Mercedes estabelece um preçário em tonéis de azeite válido apenas na Península Ibérica, e Frankfurt destrona Chicago como maior mercado financeiro de commodities agrícolas. (cenário de difícil aplicação, por questões técnicas)

9. O Tó Zé, sob orientação do Aníbal, tira-nos do buraco da espiral recessiva e devolve-nos o crescimento com base em práticas de pequeno comércio de Penamacor  (esta é mesmo muito pouco provável)

10. Faz-se luz na cabecinha de todos os dirigentes europeus, põe-se os interesses nacionais de lado em nome do bem comum, mutualiza-se a dívida a nível europeu, consolida-se a supervisão bancária, e passamos a ter níveis de endividamento semelhantes aos dos Americanos. Helas! Cavalgamos a onda de prosperidade advinda, e ignoramos a hiper-inflação que, seguramente, sucederá.

Será que ainda vamos a tempo de tentar enganar os Chineses e convencê-los a investir ou comprar dívida europeia?

quinta-feira, 21 de março de 2013

Dia Mundial da Poesia


No dia Mundial da Poesia a Alice vai deixar o "post" do dia para os profissionais.


Já Foste Rico e Forte e Soberano


Já Foste Rico e Forte e Soberano
Já deste leis a mundos e nações,
Heróico Portugal, que o gram Camões
Cantou, como o não pôde um ser humano!

Zombando do furor do mar insano,
Os teus nautas, em fracos galeões,
Descobriram longínquas regiões,
Perdidas na amplidão do vasto oceano.

Hoje vejo-te triste e abatido,
E quem sabe se choras, ou então,
Relembras com saudade o tempo ido?

Mas a queda fatal não temas, não.
Porque o teu povo, outrora tão temido,
Ainda tem ardor no coração.


Saúl Dias, in "Dispersos (Primeiros Poemas)"


quarta-feira, 20 de março de 2013

Rui Moreira – É hoje o dia!


Declaração de Interesses: A Alice apoia a candidatura de Rui Moreira à Câmara Municipal do Porto.

Hoje, às 18h30, no mercado Ferreira Borges, Rui Moreira apresenta oficialmente a sua candidatura à Câmara Municipal do Porto. 

A Alice vai deixar a apologia do candidato para um próximo “post”. 

Neste “post”, em jeito de antevisão ao anúncio de candidatura, a Alice pretende elencar um conjunto de vectores estratégicos que gostaria de ver asseguradas no programa de candidatura de Rui Moreira. 

A responsabilidade do próximo Presidente da Câmara é colossal. O Porto está numa posição privilegiada para servir de exemplo ao País. Tem as suas contas equilibradas. Conta com um passado industrial e comercial ímpar. Afirma-se no plano cultural ao arrepio das condicionantes centralistas que lhe são impostas (de que a Fundação de Serralves e a Casa da Música são exemplos máximos). 

Rui Moreira conhece bem esta realidade e, por isso, tem uma responsabilidade acrescida de formatar uma candidatura que tire partido destas condições únicas da cidade e que ambicione a colocá-la no patamar em que ela merece. Pelos constrangimentos que o nosso País atravessa, esse patamar apenas pode ser estabelecido num plano internacional. 

Os vectores estratégicos que a Alice gostaria de ver plasmados no Programa de Rui Moreira são os seguintes:

1.    Independência

Dos partidos, do Governo, das corporações, dos interesses instalados, das famílias históricas, dos preconceitos, etc. Queremos escolhas que se sustentem por si só (em modelos económicos e de bem estar para a população da cidade) e não queremos decisões que privilegiem uns grupos de munícipes à custa dos restantes.

2.    Equilíbrio Financeiro

Zelar pela boa gestão dos bens e dos negócios públicos. Assegurar que a Câmara cumpre os seus objectivos num quadro de probidade na utilização do seu dinheiro e do seu crédito. Não queremos que a Câmara vá pelo caminho do resto do País, com investimentos públicos de duvidosa viabilidade e de rentabilidade inexistente e parcerias ditas público privadas mas que socializam os prejuízos e privatizam os ganhos.

3.    Fiscalidade Amiga das Empresas e Munícipes

Aproveitar a boa situação financeira da Câmara para reduzir o fardo dos impostos que os seus munícipes suportam. Neste sentido, deverá haver compromisso de, a curto prazo, reduzir para o mínimo todos os impostos e taxas que são da alçada da câmara (derrama e IMI são os exemplos mais significativos).

4.    Universidade

Utilizar o nome da prestigiada Universidade do Porto para servir como alavanca para posicionar a cidade no Mundo. A academia é um meio muito particular em que as distâncias pouco significam. É usual haver projectos de investigação entre investigadores de vários países, troca de professores entre Universidades, conferências internacionais, etc. Para além disso, é necessário atrair mais estudantes internacionais (Erasmus, p. ex.), com condições que rivalizem com as principais cidades Europeias.

5.    Cultura

A Câmara tem de apoiar veementemente as instituições culturais da cidade e promover o aparecimento de novas iniciativas e protagonistas. Conforme ficou demonstrado pelo estudo do impacto económico de Serralves (já comentado neste blog), a cultura é rentável e é um pólo ímpar na atracção de turismo e de pessoas.

6.    Ligação com o Mundo

Maximizar a utilização de todos os equipamentos existentes na região (Porto de Leixões, Aeroporto, etc.) para agilizar o relacionamento com pessoas e Empresas internacionais, assegurando uma boa cobertura de vários destinos (de negócios e de captação de turismo) e um apoio aos restantes pilares estratégicos para o desenvolvimento da cidade.

7.    Demografia

Empenho na inversão da tendência de redução de habitantes que a cidade tem sofrido ao longo das últimas décadas. O Porto tem de ser um pólo de atracção de gente, sendo para tal importante implementar medidas concretas direccionadas para as vertentes acima mencionadas e que impactam na vida diárias das pessoas (Fiscalidade, Universidade, Cultura e Ligação com o Mundo).


A Alice considera que estes vectores estratégicos serão suficientemente estimulantes para levar Rui Moreira à vitória na eleição e mobilizar as gentes da cidade.

terça-feira, 19 de março de 2013

Autos-de-Fé Financeiros ou cortinas de fumo?


De acordo com a Wikipedia “Auto-de-fé” refere-se a eventos de penitência realizados publicamente com humilhação de heréticos e apóstatas bem como punição aos cristãos-novos pelo não cumprimento ou vigilância da nova fé, postos em prática pela Inquisição, principalmente em Portugal e Espanha. A punição aplicada era habitualmente a fogueira, sendo que, os que mostrassem arrependimento e se decidissem reconciliar com a igreja, poderiam ser beneficiados com o “piedoso” acto de serem estrangulados antes de queimados.

O que temos presenciado nos últimos anos no que toca ao “apoio” aos países Europeus em dificuldades não passam de “autos-de-fé” financeiros destinados a punir e a humilhar os heréticos pelo não cumprimento da religião do equilíbrio das contas públicas.

Os Gregos aldrabam nas contas suas contas, estiveram anos a enganar o Eurostat e todos os seus parceiros Europeus, os cidadãos gregos gozam de privilégios insofismáveis; então, têm que ser punidos com cortes atrás de cortes nos seus orçamentos públicos, têm de penar através de sucessivas reestruturações da dívida que, pese embora conduzir a hair cuts para os credores, não há forma de se reduzir de uma forma sustentável para o País. Ardam na fogueira para toda a eternidade! Ámen!

Os Irlandeses, apesar de bons católicos, são de uma categoria diferente e, à sua maneira, também perigosa. Andaram a insuflar os Bancos até uma dimensão insustentável e a financiar um sector imobiliário sem futuro. Para além disso, sacrilégio dos sacrilégios, têm uma taxa de imposto sobre Empresas que atrai muitas Sociedades internacionais e a faz posicionar como um destino privilegiado de investimento direto estrangeiro. Isto, claro, concorrendo desonestamente com os seus parceiros Europeus. Têm que ser castigados! Vamos obrigar os bancos Irlandeses a honrar todas as suas dívidas para com bancos Alemães e vão ser os contribuintes Irlandeses a pagar o pato. Ardam na fogueira para toda a eternidade! Ámen!

Os Portugueses, esse povo que não se governa nem se deixa governar, têm um fetiche especial por alcatrão e cimento, por fazer estádios e remodelar escolas - que ficarão invariavelmente vazios! Ainda por cima, apesar de trabalharem horas a fio, são um povo improdutivo, desorganizado e só funcionam quando comandados por estrangeiros (veja-se a Autoeuropa). Obriguem-nos a cortas nos salários da malta, aumentem os impostos até ao nível do sufoco individual e coletivo e tirem-lhes o oxigénio essencial para viver. Eles aguentam! Ardam na fogueira para toda a eternidade! Ámen!

Finalmente, os mais recentes ”autuados”: os Cipriotas. Uma outra categoria de gente, claro! Operários de charuto na boca e copo de whisky na mão. Recomendados por mais de 50 marcas diferentes de máquinas de lavar a roupa! Habituados a estar intimamente ligados à oligarquia Russa e a outras companhias menos recomendáveis. Estávamos todos mesmo à espera de os apanhar em falso e fazê-los pagar por anos e anos de vida à margem da lei. Pois a malta que tem lá depósitos, seja Cipriota ou não, seja rico ou pobre, solteiro ou casado, com filhos ou sem filhos, vai ter de pagar dízimo para ouvir a próxima liturgia! Ardam na fogueira para toda a eternidade! Ámen!

A Alice entende que, se os “Autos-de-Fé” originais não foram muito eficazes a cumprir a sua missão de evangelização de infiéis, estes “Autos-de-Fé” financeiros também dificilmente cumprirão a sua missão de colocar de novo a economia a funcionar e o mundo financeiro a servir o seu fluxo sanguíneo. Colocar ideologia e obstinação à frente do pragmatismo e da racionalização dos problemas nunca foi muito produtivo e eficaz.

Claro que podemos ter uma outra leitura do problema…

Se nos lembrarmos quem eram os principais detentores de dívida pública grega, quem eram os maiores credores dos Bancos Irlandeses, quem eram os maiores financiadores do Estado e algumas Empresas públicas Portuguesas, e quem está sempre a pugnar pela harmonização fiscal da Europa, chegamos a uma conclusão que os principais interessados nas intervenções de salvamento eram… os Alemães!...

… que, a coberto destes “autos-de-fé”, logrou conseguir que a troika substituísse uma parte significativa dos seus riscos em cada um dos países intervencionados. Será que os “autos-de-fé” não são uma mera cortina de fumo para a mutualização da dívida dos países mais fracos?

Infelizmente, ainda vamos ter de esperar alguns anos para saber o que verdadeiramente se passa. Algo diz à Alice que este vai ser um período muito rico para os historiadores em geral e para os de economia em particular.

segunda-feira, 18 de março de 2013

Afinal eles também não têm um plano!


Na passada 6ª Feira a Alice ficou definitivamente esclarecida quanto ao plano que o Governo Português tem para tirar o País da crise em que vive: não tem nenhum! No dia seguinte a Alice foi elucidada pelas entidades Europeias relativamente ao plano que a CE e os principais Países Europeus têm para tirar a Europa da crise em que vive: também não têm nenhum! 

Foi absolutamente confrangedor assistir na conferência de imprensa de 6ª Feira passada ao Ministro Victor Gaspar tergiversar sobre a evolução da economia Portuguesa e das Finanças Públicas para evitar dizer a nua e crua verdade: ele não faz a mínima ideia do que deve fazer para alterar o rumo que as coisas seguem. 

Como técnico que é (quem foi o iluminado que lhe atribuiu a responsabilidade de n.º 2 do Governo?) consegue continuar a debitar previsões (pouco importa se são ou não realistas) sobre evolução do PIB, défice, dívida e desemprego, todas elas más, mas não emite uma só ideia sobre o que o Governo vai fazer para evitar que se concretizem ou, no mínimo, para alterar a sua tendência o mais rapidamente possível. 

Há uma linha de raciocínio de alguns comentadores que defende que é bom termos o colete de forças da Troika pois nós apenas tomamos as decisões difíceis quando a isso somos obrigados por forças de pressão externas. Parte-se do princípio que essas forças externas sabem o que estão a fazer e nos obrigam a tomar boas decisões. 

Ora, alguns de nós já desconfiávamos que a Troika (ou pelo menos alguns dos seus elementos) não sabe exactamente o que anda a fazer. Ou, em alternativa, obedece a uma agenda que não é necessariamente compatível com a nossa. Este fim-de-semana tivemos a confirmação: eles não sabem o que andam a fazer, não têm um plano e tomam medidas completamente inconsistentes com qualquer coisa que seja remotamente parecida com um plano que eventualmente possam ter. 

A decisão de taxar os depósitos Cipriotas cai na categoria das decisões mais canhestras de sempre no âmbito das medidas comummente designadas “de austeridade”. Consegue ultrapassar em estupidez a TSU de Passos Coelho (olhem que é obra!). 

A Alice não critica (tanto) a taxação dos depósitos superiores a €100.000 (não abrangidos pela garantia de depósitos) que, provavelmente, teriam sempre que partilhar parte da “dor” - fosse pela via do imposto que foi seguida, fosse pela via da falência dos Bancos que não teriam recursos suficientes para pagar a todos os depositantes -. 

O problema da Alice é com a imposição de um imposto para os depósitos inferiores a €100.000 que envia mensagens erradas para os depositantes de toda a União Europeia e até contraditórias com o discurso que a União tem assumido. Senão vejamos: 

- Digam o que disserem, a partir de hoje ninguém pode garantir que a mesma solução não venha a ser implementada noutros países, intervencionados ou não. Assim, os depositantes vão ser incentivados a retirar o seu dinheiro de países (e Bancos) periféricos e a colocá-los em jurisdições mais estáveis e “amigas” do mesmo. Tal vai dificultar ainda mais a recuperação dos países periféricos; 

- A União Europeia decidiu caminhar para uma União Bancária como forma de resolver os problemas do Euro. Nesse sentido, a existência de uma rede de segurança Europeia para os depósitos (os tais abaixo de €100.000) seria um pilar fundamental. Esta decisão acabou de pôr seriamente em causa os próximos passos para uma União Bancária Europeia; 

- Um dos objectivos da tal União Bancária era separar o risco dos Bancos do risco soberano do seu próprio País. Este fim-de-semana, voltou a aproximar tudo novamente e a deixar claro que se um País tem um problema, os seus Bancos (e respectivos depositantes) têm também um problema; 

- É sabido que uma das principais questões que afectam os países periféricos é o baixo nível de poupança que, por sua vez, limita a capacidade de investimento. Não é preciso ser um cientista nuclear para perceber que esta decisão dá mais uma machadada na apologia da poupança que tem sido feita pelas autoridades Europeias. As pessoas, racionais como são, preferirão consumir hoje do que ter o dinheiro nos Bancos à espera de ser alegremente taxado pelo seu Governo. 

E tudo isto para nada! Esta estratégia não vai resultar. A corrida aos Bancos no Chipre ocorrerá assim que eles abrirem e vai levá-los à falência na mesma. 

Com este rumo de acontecimentos, podem começar a limpar o pó às rotativas para imprimir moeda nova (e a Alice não se refere a mais Euros), formar especialistas para o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e, já agora, dar uma revisão geral aos arsenais de guerra. 

Eles não têm um plano e não sabem o que fazem.

sexta-feira, 15 de março de 2013

“The Icarus Deception” by Seth Godin – Porquê fazer arte?


Comentário da Alice ao livro "The Icarus Deception" de Seth Godin




A Alice segue o trabalho deste “artista” desde há muitos anos. Definir Seth Godin não é fácil: empresário? professor? marketeer? escritor?, mas ele é seguramente um dos melhores pensadores actuais em qualquer uma destas áreas. 

Especialmente incrível é a forma como pensa (e executa) “out of the box”. Este livro, por exemplo, serviu para Godin testar o conceito de “crowdfunding”. Em vez de ir ter com um editor, como qualquer escritor normal faria, lançou uma campanha no “kickstarter” (site de “crowdfunding” americano) e, numa semana, reuniu mais de U$250.000, antes mesmo de começar a escrever o livro (pois, a Alice concorda com a interjeição: Wow)! 

Mais uma vez, presenteia-nos com uma obra muito interessante e que tem tudo que ver com a alteração secular que estamos a sofrer na relação das pessoas com o trabalho e com o empreendedorismo. Teríamos todos a ganhar se, como Godin propõe, nos tornássemos todos artistas, i,e., se nos dedicássemos todos a fazer arte. 

Comecemos pela revelação de Godin de que temos sido enganados relativamente ao mito de Ícaro (daí o título do livro). 

De acordo com a lenda, Ícaro terá morrido devido a demasiada ambição (“Hubris” no original inglês). 

Daedalus, seu Pai, criou um plano para escapar da prisão com Ícaro. Fabricou um par de asas para si e outro para o seu filho, que fixou ao corpo com cera. Daedalus avisou o seu filho para não voar demasiado próximo do Sol. Maravilhado com a sua nova capacidade de voar, Ícaro desobedeceu ao Pai e voou alto demais. O resto da história os cultos leitores da Alice já conhecem. 

A lição que este mito pretende transmitir é: não desobedeças, não imagines que és melhor do que realmente és e, acima de tudo, nunca acredites que tens capacidade para fazer o que os deuses fazem… 

A parte do mito que propositadamente nos omitem: para além de dizer a Ícaro para não voar alto de mais, Daedalus também o instruiu para não voar baixo demais porque a água estragaria a capacidade de elevação das asas. 

A Sociedade alterou o mito, encorajando-nos a esquecer a parte do mar e criou uma cultura de nos lembrar constantemente sobre os perigos de darmos nas vistas, emitirmos a nossa opinião, defendermos as nossas ideias, sermos ambiciosos… 

No entanto, pior do que ambicionarmos demasiado é contentarmo-nos com pouco. Até porque é mais perigoso voar baixo do que alto (parece mais seguro). 

Fomos todos seduzidos pelos salários decentes, empregos seguros, riscos controlados, por seguir instruções claras e simples e pela protecção da uma rede (social, financeira, etc.) que julgávamos eterna. Infelizmente, esta rede já não existe. 

Para usar mais dois conceitos introduzidos pelo autor: a nossa zona de segurança mudou radicalmente mas a nossa zona de conforto não. Os sítios onde nos sentimos confortáveis (o escritório de madeira, a escola conceituada, o emprego seguro) já não existem. Manter o status quo e lutar para “encaixar” já não funciona porque a nossa cultura e a nossa economia mudaram. A nossa zona de segurança hoje é criar ideias que se espalhem e ligar o que está desligado (“connect the dots” em inglês). São estes dois pilares que requerem a postura de um artista. Esta nova zona de segurança não é, obviamente, tão confortável quanto a última! 

Na era industrial (da produtividade e dos salários baixos) exige-se às pessoas que cumpram regras e instruções. Lavam-nos o cérebro desde cedo. A própria escola tornou-se num sistema industrial com o objectivo de destruir novas atitudes e emoções. O artista, em contrapartida, diz: “Aqui está. Fiz isto”. Toma a iniciativa, cria, falha, cria de novo, sai da zona de conforto. 

É preciso criar arte, ser-se artista. Não no sentido tradicional (pintor, escultor, etc.) mas no sentido de produzir um trabalho único que “toque” e influencie os outros. A arte é uma atitude. Alcançar algo novo, fazer ligações entre pessoas ou ideias, trabalhar sem mapa – isso são obras de arte e se uma pessoa o faz é um artista, independentemente de usar um pincel ou um computador. 

Este livro pretende mostrar-nos porque é que cada um de nós deve fazer arte. Porque é que vale a pena. Porque é que não devemos esperar. O caminho é ser-se humano, fazer arte e… voar bem mais alto do que nos ensinaram a voar.