quarta-feira, 27 de março de 2013

Resgatados – Os bastidores da ajuda financeira a Portugal


Revisão do Livro “Resgatados” de David Dinis e Hugo Filipe Coelho 


A Alice terminou ontem a leitura deste livro. Que oportuno! 

Os autores fizeram um excelente trabalho de relato do sucedido em Portugal no curto período compreendido entre Março de 2010 e Junho de 2011 no que diz respeito ao resgate internacional que Portugal viveu. 

Sublinhe-se que este trabalho é tanto mais notável, quanto é sabido que, por um lado, os autores Portugueses são geralmente fracos neste género biográfico e, por outro, os acontecimentos relatados ainda não beneficiam do distanciamento histórico necessário para uma cabal apreciação. 

Apesar do relato obedecer à linha cronológica na qual os acontecimentos se foram desenrolando, o ritmo e a crueza – no sentido do rigor jornalístico, entenda-se - com que os factos são apresentados tornam a sua leitura empolgante. 

Para além do inventário dos relatos da imprensa da época, o livro não teria a força que tem se não fossem as entrevistas feitas pelos autores que ilustram alguns eventos e conversas habitualmente confinadas ao recato dos gabinetes e corredores do poder. A Alice suspeita que Teixeira dos Santos terá sido um dos grandes contribuidores para os principais “insights” do livro. 

O livro esclarece muitas questões que poderiam ainda suscitar algumas dúvidas na mente de pessoas menos atentas: 

- O início de 2010 marcou a inversão política da EU de aposta de investimento público como resposta à queda do Lehman em 2008, para uma política de austeridade. “O mundo mudou.” foi a frase proferida pelo primeiro-ministro Português; 

- As emissões da dívida pública a partir de Janeiro de 2011 eram completamente artificiais. As taxas a que a dívida era comprada, quase totalmente pelos bancos portugueses, eram combinadas para que os juros não disparassem; 

- Luís Amado defendeu junto de Sócrates a adopção da regra de ouro e a bondade de uma coligação ao centro para resolver a situação do País; 

- O Presidente da República interveio bastante na passagem do Orçamento para 2011, sendo que Passos Coelho marcou duas condições para a viabilização do mesmo: que se cortasse mais despesa e que não houvesse aumento de impostos (pois…); 

- Sócrates andou activa e pessoalmente a vender a dívida Portuguesa pelo mundo fora, nomeadamente na célebre viagem ao Qatar e EAU, que o Governo disfarçou de visita empresarial; 

- Teixeira dos Santos foi incansável na defesa, primeiro dos cortes mais agressivos na despesa, depois da intervenção da Troika. Esteve em incontáveis reuniões e escreveu inúmeras comunicações aos vários ministros e a Sócrates sobre estes temas para defender as suas posições; 

- Na última reunião para negociar o PECIII, Catroga “fintou” Teixeira dos Santos para que não houvesse qualquer manifestação pública do momento: “Saímos e damos um aperto de mão!”; “Era o que faltava, não tenho de dar apertos de mão a ninguém”… no seu bolso já estava o telemóvel com a célebre fotografia da assinatura; 

- Na reunião seguinte da Comissão Permanente do PSD, Passos deu uma garantia: “É a última vez!”; 

- Sócrates informou Passos Coelho dos contornos do PEC IV que iria apresentar em Bruxelas, o que Passos Coelho nunca assumiu, mas não terá informado o Presidente da República, o que o deixou “visivelmente irritado” e acabou por não fazer nada para evitar a queda do Governo; 

- Sócrates tentou, até à última, i.e. até praticamente não haver dinheiro nos cofres para pagar salários da função pública sequer, evitar pedir o Resgate; 

- Os bancos tiveram uma importância crucial no pedido do Resgate, na medida em que se recusaram a continuar a financiar sozinhos a economia; 

- Foi Teixeira dos Santos que tornou inevitável a intervenção da Troika, com uma entrevista à jornalista Helena Garrido do Jornal de Negócios. Foi uma jogada premeditada que Sócrates nunca mais lhe perdoou. 

Mas a parte mais “sumarenta” do livro prende-se com as historietas e chistes de bastidores como, por exemplo: 

- Ficamos a saber que o primeiro-ministro na altura da subida constante dos “yields” da República tinha um terminal Reuters na sala contígua ao seu gabinete que consultava, por vezes, com a regularidade de um “trader” de uma sala de mercados; 

- A partir de certa altura tornou-se assessor de imprensa dele próprio, chegando a falar 5 vezes num dia com o mesmo jornalista; 

- Aquando das discussões do OE2011, a cada proposta dos ministros para cortar na despesa “… Teixeira dos Santos respondia num cerrado sotaque nortenho e de cara fechada. "“Num” chega!"; 

- Teixeira dos Santos estava acantonado contra todo o resto do Governo defendendo que seria preciso a intervenção. A resposta de Sócrates, por mais do que uma vez: “É possível e nós vamos resistir, porque isto é um Governo Socialista”; 

- Há um tema particular em que Teixeira dos Santos insistia sempre, nos seguintes termos: "Houve um velho senador romano, Catão, que terminava todos os discursos no senado dizendo “E Cartago deve ser destruída”. Eu, sempre que intervir, direi: “E a RTP deve ser privatizada”"; 

- Os problemas com Strauss-Kahn são épicos. Depois de ter contribuído para a sua eleição para presidente do FBI (com telefonema feito por Sócrates, a pedido de Sarkozy, a Lula da Silva para garantir o apoio Brasileiro ao Francês), este recusou-se a fazer uma declaração institucional a defender Portugal, conforme Sócrates lhe havia pedido. ““Sabe, estive aqui a ver e nós achamos que você deve pedir ajuda já” Sócrates nem queria acreditar”; 

- Quando avisavam repetidamente Sócrates da inevitabilidade de ceder à pressão dos Bancos e dos mercados habituou-se a responder irritado: “Conversa de Funcionário”; 

- Sócrates considerou, de facto, que foi traído por Teixeira dos Santos, “Pelas costas, como um patife” e a última conversa privada que mantiveram os dois acabou com um “Cortamos relações!” 

- Isto explica a postura de Teixeira dos Santos na célebre conferência de imprensa em que Sócrates perorou sobre “o que não faremos” sem nunca dizer o que iria fazer. 

A transcrição do discurso de Passos Coelho numa convenção autárquica do PSD em Viana do Castelo pela altura do chumbo do PEC IV chamou particularmente a atenção da Alice: “Não podemos estar sempre a dizer que não precisamos de ajuda, que a execução do orçamento está a correr impecavelmente, mas depois temos de aumentar impostos, cortar nas reformas, fazer muitas outras coisas – nomeadamente, aquelas que o Governo se tinha comprometido a não fazer quando fez o acordo com o PSD para viabilizar o orçamento, que era não tocar nas despesas que as famílias têm na educação, saúde e habitação, e não tocar no IVA dos produtos essenciais. Tudo isso hoje voltou à agenda do dia. Então… e precisamos de fazer isto tudo porquê? Porque está tudo bem ou tudo mal? Se o PSD não viabilizar… e eu já disse: não viabilizaremos estas medidas”. Afirmações bastante premonitórias vindas de Passos “Zandinga” Coelho. 

Mas Sócrates também não deixou as suas credenciais de “Zandinga” por mãos alheias. No Fórum da TSF de 29.04.2011 afirmou “Ainda vamos ter saudades do PEC”. 

Na nota prévia os autores afirmam: “Neste livro não deve ser procurado qualquer juízo sobre as decisões e motivações dos actores políticos”. Alcançaram este desígnio com distinção e escreveram um livro muito interessante de ler.

No entanto, a Alice, sempre ávida de pormenores de bastidores, ficou ansiosa por mais. Pode ser que veja a sua curiosidade satisfeita a partir de hoje com as intervenções semanais do antigo Primeiro-Ministro.

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