terça-feira, 30 de abril de 2013

Derivativos de Destruição Maciça – Um Perigo Mundial Latente?



O nosso pequeno Swapgate nacional teve o condão de alertar os mais distraídos para os principais problemas que podem ocorrer com a utilização indevida de produtos derivados. 

O que provavelmente a maior parte das pessoas não sabe é que o tema dos derivados é global e de dimensões cada vez mais expressivas, constituindo para alguns a maior ameaça para a economia global. 

É que, ao contrário do que se julga, ao invés dos mercados de derivados terem diminuído deste a crise Lehman, têm aumentado significativamente. 

Com efeito, de acordo com um artigo recentemente publicado na Time, nos 5 anos antes do Lehman (2003 a 2008) o “valor nocional” (de base, em linguagem corrente) estimativo dos contratos mundiais de derivados cresceu de $200 triliões para $600 triliões. Hoje há estimativas que o colocam em $1.000 triliões. 

Só para que fique claro, são triliões americanos o que, para terem uma percepção da verdadeira dimensão do bicho, $1.000 triliões traduzem-se nos seguintes zeros: $1.000.000.000.000.000. Para uma melhor compreensão, diga-se que isto é 14 vezes o PIB mundial e 67 vezes a capitalização bolsista agregada de todas as acções cotadas na NYSE. 

E qual o problema disto?, perguntarão. 

Desde logo é um mercado muito pouco regulado. Ninguém sabe exactamente quanto dinheiro anda para aí nesses contratos (muitos deles apenas traduzidos em contratos confidenciais entre duas partes), que englobam um conjunto muito alargado de instrumentos (swaps, opções, futuros, etc). 

É também um mercado muito alavancado. No sentido de que todo aquele dinheiro acima mencionado é, como está bom de ver, suportado por um montante muito baixo de capital (não há dinheiro para suportar 14x o PIB). Estimativas apontam para graus de alavancagem de 35x a 70x! 

Constituí uma verdadeira caixa negra, com muito pouca gente verdadeiramente habilitada para lidar (no sentido de avaliar, negociar, comprar e vender) com estes instrumentos, aliás como o exemplo das Empresas públicas nacionais amplamente demonstra. 

As estruturas de decisão relacionadas com estes produtos são muito exíguas, sendo que, tipicamente, há muito risco concentrado num só polo de decisão. As perdas da baleia londrina do JP Morgan (um funcionário assim designado pela capacidade que tinha de assumir posições gigantescas nos mercados sem grande supervisão ou escrutínio) ascenderam a $6.000 milhões. É muito potencial de perda para uma só pessoa (ainda que a instituição em causa pudesse aguentar a perda). 

A dimensão do mercado, conjugada com a alavancagem e a base alargada da sua aplicação (há produtos derivados para toda a classe de activos) gera, caso algo corra mal, uma capacidade de efeito dominó verdadeiramente avassaladora. Um descarrilamento pode conduzir a falências em massa no sector financeiro. 

Porventura em 2008 estivemos bem perto deste colapso e não nos apercebemos, em grande parte porque os americanos estenderam liquidez quase infinita para os mercados não entrassem em curto de circuito. 

Será desejável não voltar a testar esses limites. Para tal, é necessário que as pessoas que lidam com estes instrumentos conheçam os seus riscos, saibam quantifica-los e geri-los de uma forma criteriosa. Para além disso, é essencial que tenham um enquadramento (de gestão, de controlo, de supervisão, de regulação e de mercado) que permita conter esses riscos num âmbito gerível. Foi o que não aconteceu no nosso Swapgate. 

Artigo da Time aqui


segunda-feira, 29 de abril de 2013

Ainda há quem acredite!


Já ouviu falar no Kaikou Sushi Bar? 

A Alice também não tinha ouvido, até este fim-de-semana! É um restaurante de sushi que abriu recentemente no Porto. 

O Sushi é absolutamente fantástico. O sushi-man André Ribeiro (portuense de gema e não brasileiro, como o mesmo gosta de frisar) faz questão de incorporar produtos Portugueses e mediterrânicos para obter um resultado de fusão bastante inovador. 

Tivemos oportunidade de provar sushi com carapau, vieira, rúcula, pesto, queijo da serra, etc. O sashimi é de peixe fresquíssimo. A sobremesa estava deliciosa. Uma mousse de chocolate com pedaços de Oreo, de chorar por mais. Instado sobre que tipo de bolacha integrava a receita, André Ribeiro, com a sua simpatia inexcedível, não se fez rogado e descreveu a receita toda, para fazermos em casa. 

A decoração não é das mais acolhedoras mas não deixa de ter alguns pormenores interessantes, como ilustrações nas mesas a descrever a história do sushi, explicadas in loco pela artista que também faz parte da equipa do restaurante. O serviço ainda está um pouco ferrugento pois o restaurante abriu há pouco tempo, mas o entusiasmo de toda a equipa vai certamente ajudar a limar as (poucas) arestas. 

Mas a razão para esta crítica gastronómica não se prende com nenhuma tentativa de transformar este blog num bastião do epicurismo. A ideia mesmo é salientar o espírito de iniciativa de alguém que não queria ser apenas mais um sushi-man.

André Ribeiro, sushi-man e sócio do Kaikou, aprendeu a sua especialidade no Dubai, no restaurante Zuma, o maior restaurante japonês da região e um dos maiores Grupos do mundo (restaurantes em Istambul, Londres, Hong-Kong, Miami, etc). A cozinha deste restaurante é cinco vezes maior do que todo o Kaikou e, provavelmente, factura por semana mais do que o Kaikou faturará num ano! Então, perguntei eu ao André, porque carga de água regressou a Portugal? 

A resposta veio lacónica e directa, sem necessidade de reflexão: “Esta é a minha cidade e aqui posso ser eu o chefe e fazer as coisas de que gosto”! 

Portugal precisa de mais gente como o André. Que gosta da sua terra, não tem medo do risco, de assumir o futuro nas próprias mãos e fazer aquilo de que gosta. 

A Alice deseja grande sucesso ao Kaikou, ao André Ribeiro e à sua equipa.

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Os Swaps são armas de destruição maciça?


A Alice já abordou este tema em post recente, que pode revisitar aqui. Nele pretendeu explicar o mecanismo de funcionamento dos swaps de taxa de juro, as razões para a sua contratação e os casos que conhecia em que tal correu mal. No exemplo apresentado, partiu-se do princípio que ambas as partes estavam de boa-fé e que as circunstâncias anormais ocorridas posteriormente nos mercados financeiros ditaram resultados inusitados.

No entanto, as últimas notícias vindas a público dão conta de problemas bem mais complexos do que o que foi explanado no “post” acima. Uma coisa é contratar um swap no sentido de proteger uma exposição que uma Empresa tem actualmente no balanço e para um risco determinado, identificável e quantificável. Outra coisa é contratar um swap com efeitos meramente especulativos ou de cosmética de resultados e balanços.

Caso um swap tenha sido contratado para proteger uma exposição que a Empresa tenha no seu balanço, as perdas que esta sofre na operação swap deverão ser compensadas pelos ganhos registados na sua exposição de base. No caso em concreto, as perdas de €3.000 milhões em swaps alegadamente incorridas pelas Empresas públicas de que se fala, deveriam ter correspondência em €3.000 milhões de juros a menos pagos por essas Empresas (ou a pagar durante toda a duração do contrato).

Se, por outro lado, este instrumento tiver sido utilizado erradamente, seja por incompetência, seja para mascarar as contas no curto prazo, seja para qualquer outro fim que a Alice nem tem capacidade de imaginar, é natural que possamos estar confrontados com perdas sem recuperação possível.

Vejamos apenas alguns exemplos muito simples para ilustrar o que pode ter acontecido nos casos em apreço, em que estes instrumentos poderão ter sido mal aplicados (a Alice não pretende transformar este post numa aula de finanças, mas é importante entender estes conceitos para perceber o que aconteceu no nosso caso doméstico):

- diferença na dimensão da exposição (size exposure mismatch): quando o swap contratado tem por base um valor (notional amount) desproporcionado face ao valor da exposição no balanço. Se uma Empresa tem uma dívida de €1.000.000 e contrata swaps para €10.000.000, está a assumir um risco nos derivados 10 vezes maior do que o que tem “à vista”.

- diferença no activo da exposição (asset exposure mismatch): quando o swap contratado tiver por base um activo diferente daquele que constitui a exposição no balanço da Empresa. Se uma Empresa se quer defender contra a evolução adversa das taxas de juro em Euros e contrata um swap de taxa de juro em USDollars, corre o risco de ter resultados diferentes nas duas exposições.

- diferença na maturidade (maturity mismatch): quando o swap contratado expira em data diferente da correspondente exposição no balanço. Se uma Empresa tem um financiamento a 10 anos e contrata um swap a 5 anos, só ficará coberta para os primeiros 5 anos da exposição e corre também um risco mais técnico que tem que ver com a “yield curve” de cada um dos instrumentos (não vamos aprofundar mais isto aqui).

Qualquer uma das diferenças acima mencionadas poderá gerar ganhos ou perdas consideráveis no mercado de derivados.

Há ainda outro tipo de “manobras” que podem também ter sido utilizadas. É possível formatar estes contratos para que haja um pagamento à cabeça de uma das partes à outra. Pode ter acontecido que quem negociou estes contratos, na ânsia de registar lucros mais cedo, tenha aceitado condições contratuais para receber um valor na data de contratação e registar correspondente lucro. Se tal for o caso, as perdas actuais podem apenas ser o reverso da medalha das receitas já encaixadas no passado.

Resumindo e concluindo, caso as operações de swap tenham sido desenhadas e montadas para proteger riscos existentes, então as perdas nos swaps deverão corresponder a ganhos noutro sítio qualquer e não haverá qualquer razão para atacar quem os contratou e quem os vendeu. Se, pelo contrário, estas operações tiverem sido desenhadas com contornos especulativos ou com o intuito de mascarar perdas e compor contas, então é preciso escrutinar muito bem o sucedido e responsabilizar quem tiver que ser responsabilizado (até às últimas consequências… quem contratou, autorizo, supervisionou, reviu, etc).

Diz-se que estão a pôr os bancos em tribunal… E então as pessoas que contrataram, aprovaram, supervisionaram, etc? Essas também têm que ser responsabilizadas, não basta serem despedidas.

Os swaps e todos os derivados são armas de destruição maciça se estiverem nas mãos de alguém mal intencionado ou que não os saiba usar.

Uma nota final: não faz qualquer sentido que cada Empresa estatal esteja a cobrir qualquer tipo de risco individualmente quando é provável que o mesmo Estado tenha um risco oposto noutro lado qualquer. Se, de facto, houver necessidade de qualquer cobertura de risco (o que a Alice duvida), ela terá que ser feita ao nível do Tesouro e nunca ao nível de cada uma das Empresas.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Cumpriu-se a Constituição


A Alice desconhece o teor dos discursos proferidos na Assembleia da República neste 25 de Abril. No entanto, uma coisa é certa, os nossos políticos (todos sem excepção) podem hoje orgulhar-se de ter feito cumprir a Constituição.

Com efeito, não só abriram o caminho para uma Sociedade socialista, como já fizeram com que lá chegássemos!

Os contribuintes portugueses pagam ao Estado mais de 50% dos proventos do seu trabalho. Os atentos leitores da Alice só com muito esforço encontrarão um País socialista com maior socialização dos rendimentos dos trabalhadores. Acreditem, nem na China!

O Estado centraliza cada vez mais funções e intromete-se cada vez mais nas nossas vidas. Os exemplos abundam e só não vê quem não quer ver.

A Assembleia da República, na sua função última de expressão popular dos seus concidadãos, define a grelha da RTP e glorifica o país rural (Salazar deve estar a dar voltas no túmulo).

O Ministério da Educação decide se, quando e como as crianças devem pensar, ou se devem usar a máquina calculadora. O ensino privado definha, pois muitos dos que optaram por dispensar a educação estatal socializante deixaram de ter dinheiro para assumirem livremente as suas opções.

O Banco de Portugal já dispunha sobre as taxas máximas de remuneração que os bancos praticam nos depósitos bancários. Agora foi a vez do Ministério da Economia (ou o das Finanças, a Alice já nem sabe) decide intervir nos juros a serem cobrados pelos Bancos às Empresas nacionais.

Tudo isto, claro, acompanhado das devidas instruções ao Banco do Estado para despejar dinheiro nas Empresas nacionais, financiando aquilo que os privados não estão dispostos a financiar. Resta acrescentar, que este Banco já deu provas no passado de interpretar bem aquilo que é o sentimento do povo e foi muito competente no exercício preferido do Estado socialista de privatizar lucros e socializar prejuízos.

Mas não chega, o Governo quer ainda mais um banco, ou uma instituição, ou uma agência, para poder pilotar, ainda com mais autonomia, os destinos da nossa Economia. Esperemos que os Empresários não se metam no seu caminho!

No seu afã de planeamento económico a regra e esquadro, o Governo definiu 8 eixos e 16 sectores prioritários. Se o Governo fosse uma pessoa, seria um Champalimaud ou um Américo Amorim, tal a sua diversidade de interesses e estratégias.

Na defesa, mantêm-se indústrias ociosas para podermos exibir ao mundo o poder da nossa decadência, como qualquer bom regime socialista faz. Já fomos grandes navegadores e mantemos uma indústria naval pujante, com Empresas como os ENVC, com mais de 700 trabalhadores, que fez nos últimos anos um ou dois navios asfalteiros.

O Estado até partilha das nossas pequenas alegrias, como ganhar o Euromilhões! As receitas nesta rúbrica deste jogador invisível, sem boletim, nem cruzinhas, têm subido! E sem sequer ter de registar o boletim nas longas filas de espera!

A Alice podia continuar o dia todo a celebrar o 25 de Abril com estas Pérolas…

Viva a Constituição!

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Agenda para o crescimento, blá, blá, blá (2)



Os piores pesadelos da Alice confirmaram-se!

7 horas de reunião… já vai sendo habitual… crescer dá trabalho…

...foram aprovadas grandes linhas… faltam as pequenas…

...em 8 eixos estratégicos… como não? 5 seria pouco, 10 demasiado ambicioso…

...um sem número de medidas… nenhuma concretizada… excepto…

...dinheiro, dinheiro e… mais dinheiro, para distribuir a regador!...

...como? Ainda não sabemos!...

...mas será para PMEs, novamente…

...competitividade fiscal… muito importante, mas é com o Ministro das Finanças…

...uma novidade… a instituição financeira de desenvolvimento (já não será Banco!)…

...cuja constituição será feita no âmbito da CGD, aproveitando o conhecimento que já tem da matéria (como?)… deve ser o conhecimento dos mesmos que recebem instruções para fazer o seu trabalho?...

A única coisa que ocorre à Alice dizer sobre este tema, parafraseando um célebre poema de José Régio: “Não sei por onde vou / Não sei para onde vou / Sei que não vou por aí”

terça-feira, 23 de abril de 2013

Joseph Anton by Salman Rushdie


Neste dia mundial do livro, nada como celebrar um dos autores vivos que mais terá sofrido no mundo ocidental devido ao acto inconsciente e destemperado de... escrever um livro... Os versículos Satânicos…


Joseph Anton era o nome de código de Salman Rushdie durante o período em que esteve escondido e constitui uma homenagem a dois dos seus escritores favoritos: Joseph Conrad e Anton Chekhov.

Este livro autobiográfico é denso, como o autor, e faz inteiramente jus à sua vivência fora do comum em que suportou andar escondido, de casa em casa, durante mais de 10 anos para escapar à ‘fatwa’ lançada contra ele. Desde 1998 que a pressão abrandou e que ele se movimenta livremente (mudou-se para os Estados Unidos) mas consta que ainda hoje, no dia de S. Valentim, recebe um postal do Irão para lhe lembrar o voto de morte.

Não estranhe o atento leitor da Alice! É, de facto, possível ter uma vida mesmo andando grande parte do tempo escondido. Para além de se ter divorciado de duas mulheres (a última foi trocada pela deslumbrante modelo Padma Lakshmi), nunca deixou de viajar para múltiplas aparições públicas, no início rodeado de grande aparato policial, para o final nem tanto.

Salman Rushdie “despe-se” completamente neste exercício de memórias, apresentando de forma transparente (chegando a ser despudorada) os seus sentimentos, amores, desamores, paixões, ambições, chauvinismos, etc.

A frase inicial primitiva de “Os Filhos da Meia-Noite” fora: “Muito do que importa na nossa vida acontece na nossa ausência”. Não podia ser mais premonitório. A grande decisão da sua vida foi tomada por um senhor chamado Khomeini, no Irão, que precisava de um novo ímpeto político e de um novo estímulo para os seus crentes, desmoralizados após o fim da guerra do Iraque.

Muitos (incluindo a Alice) sempre o consideraram um pouco arrogante. Até o seu olhar parece desdenhar do nosso. Aliás, os seus olhos foram, nas suas próprias palavras, usados como metáforas da sua perversidade, mas acontece que era apenas uma afecção clínica.

Se isso não for suficiente para o tornar mais humano, talvez alguma das suas confissões seja.

Relativamente ao Pai, Anis: “Nos anos que se seguiram (à morte do Pai), Anis aparecia porventura uma vez por mês nos sonhos do filho. Nesses sonhos era invariavelmente meigo, espirituoso, sensato, compreensivo e solidário: o melhor dos pais. Ocorreu-lhe que o relacionamento entre eles após a morte de Aniss era uma grande melhoria em relação ao que se passava quando o pai ainda era vivo.”

Relativamente ao trabalho durante a desesperante reclusão forçada: “Ele conseguiu encontrar um quartinho no andar de cima onde podia fechar a porta e fingir que trabalhava.”

Relativamente à sua insegurança: “Ele sofria de grande cansaço, uma espécie de esgotamento nervoso. Estava novamente a fumar, cinco anos depois de ter deixado o tabaco, irritado consigo mesmo por fazê-lo, dizendo para consigo que não devia deixar que isso continuasse por muito mais tempo, mas mesmo assim fumava”.

O livro tem passagens verdadeiramente sublimes, que encerram pensamentos curiosos sobre o quotidiano:

Sobre a missão do artista: “Não existe ‘vida vulgar’. Ele sempre simpatizara com a ideia dos surrealistas de que a nossa capacidade de achar o mundo extraordinário era embotada pela habituação. Habituámo-nos à maneira como as coisas eram, ao dia a dia da vida, e havia uma espécie de película ou poeira que nos obscurecia a visão e escapava-se-nos a verdadeira e miraculosa natureza da vida na Terra. A missão do artista era retirar essa camada cegante e renovar a nossa capacidade de maravilhamento.”

Sobre derrota e vitória: “A derrota dá-nos mais lições do que a vitória. Os vencedores julgavam-se justificados e validados, tal como as suas visões do mundo, e não aprendiam nada. Os perdedores eram obrigados a reavaliar tudo aquilo que antes pensavam ser verdadeiro e merecedor de combate, e assim dispunham de uma oportunidade para aprender, da maneira mais difícil, as lições profundas que a vida tinha para dar. A primeira coisa que ele aprendeu foi que agora sabia onde ficava o fundo. Quando batíamos no fundo ficávamos a saber a verdadeira profundidade da água em que estávamos. E sabíamos que nunca mais queríamos voltar a estar lá.”

Sobre o casamento: “Os problemas no casamento, escreveu ele mais tarde, são como a água da monção que se acumula num telhado plano. A pessoa não se apercebe de que ela está lá, mas vai exercendo cada vez mais peso, até que um dia, com um grande estrondo, todo o telhado nos cai em cima.”

Não poderiam faltar os pormenores mais humorísticos, como quando ligou para Vaclav Havel e o seu secretário lhe disse: “Terá que esperar algum tempo. O presidente está na casa de banho”. Ou, relacionado com o nosso País, as interacções que teve com o produtor de cinema Paulo Branco, na sequência da sua compra dos direitos cinematográficos de “O Chão que Ela Pisa”:

“Quando mandou o guião a Branco, soube que Raúl Ruiz se recusara a lê-lo. “Nem sequer o lê? Porquê?, perguntou ele a Branco pelo telefone. “Tem de perceber”, respondeu Branco, “que aqui estamos no universo de Raúl Ruiz”. “Ah”, volveu ele, “eu pensava que estávamos no universo do meu romance”. O projecto gorou-se irrecuperavelmente daí a dias”.

A Alice termina com uma passagem que sublima verdadeiramente o que é para ele a literatura:

“A literatura tentava abrir o Universo, aumentar, ainda que ligeiramente, o todo do que era possível os seres humanos percepcionarem, compreenderem, e assim, finalmente, serem. A grande literatura ia até à orla do conhecido e forçava as fronteiras da língua, da forma e das possibilidades, para fazer com que o mundo parecesse maior, mais amplo, do que antes.”

Incrível como este homem tornou o mundo mais amplo, mesmo passando uma parte importante e, em qualquer artista, a mais criativa da sua vida encerrado entre quatro paredes.

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Mais um tiro no porta-aviões


Mais um tiro no porta-aviões. Acertou, mas não afundou… de vez. 

A decisão de encerramento dos ENVC estava tomada. 

O custo político assumido pelo Governo PS de Sócrates. Desconhece-se se foi coragem política, se desfaçatez no estertor do seu ciclo político. A realidade é que a decisão foi tomada depois de décadas de decadência anunciada. 

Entretanto, eleições… Novo governo… Congelamento da decisão… Começa a batalha naval… novamente… 

Na semana passada, mais uma conferência de imprensa. Afinal, não se privatiza, nem se vende, concessiona-se os terrenos (?)… mas acaba-se os navios encomendados (?)… e vende-se o que está quase pronto mas que ninguém quer comprar (?)… Nós, Portugueses, assumimos os nossos compromissos… Só gostávamos de ter uma vaga ideia de quanto nos custa… Se for possível… 

Mais um tiro… Água… 

Façam-nos um favor… poupem-nos às tergiversações… digam-nos quando o assunto estiver terminado de vez… e, já agora, quanto custou…

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Agenda para o crescimento, blá, blá, blá


O Primeiro-Ministro anunciou hoje que, na próxima terça-feira, será aprovada em Conselho de Ministros extraordinário a nova estratégia de crescimento e fomento industrial (Fonte: Jornal de Negócios). 

A Alice congelou. 

A mera menção das palavras “agenda” e “crescimento” em conjunto na mesma frase já gera urticária na pele sensível da Alice. Acrescentar “fomento industrial” faz soar todas as campainhas de alarme ao mesmo tempo. 

Notem que esta reacção alérgica é independente de quem pronuncia semelhantes palavras, infelizmente utilizadas como armas de arremesso à esquerda e à direita. A convicção da Alice é a de que os que proclamam a necessidade da dita aos sete ventos, não fazem a mínima ideia do que essa agenda deverá ser. Em concreto. Sem paleio. Nem balelas. No bullshit. Sin Chorradas. Senza Stronzata. Sans Conneries. Nein schiesdrecl. Etc. 

Vamos primeiro ao que não é a Agenda para o Crescimento (na próxima semana voltaremos ao que é ou pode ser). 

Anda para aí uma grande cacofonia sobre fundos QREN. Quem é o personagem que fica, qual cardeal Richelieu todo-poderoso, com a mão na massa para distribuir sinecuras por uns quantos iluminados? Argumentam que o QREN funcionará como “ponta-de-lança” da dita Agenda. 

Mas será que esta gente não percebe nada do que nos aconteceu até agora? Não vê que os fundos comunitários tiveram uma grande quota-parte de responsabilidade na viagem até aqui? Como se explica que apesar do volume dos fundos que recebemos nos últimos 20 anos não crescemos praticamente nada? 

A realidade é a de que os fundos comunitários distorcem os incentivos dos agentes económicos e não propiciam a melhor alocação dos recursos. As Empresas e os Empresários não dirigem os factores produtivos que controlam (dinheiro, trabalho, esforço) ao que tem mais potencial de mercado, nacional ou internacional, mas áquilo que é alvo de apoio pelos fundos comunitários.

Invariavelmente vamos ter fundos a ser alocados às PME, o grande “mantra” Europeu que é compreensível em alturas de acalmia mas pernicioso no momento que atravessamos. Os Fundos devem ser alocados onde sejam mais alavancados (i.e. que tenham mais contributo privado) e onde dêem retorno maior e mais rápido. Só nas grandes Empresas é que tal é possível. 

Vamos ter mais adegas a funcionar 15 dias por ano, vamos ter mais máquinas compradas apenas para ficarem paradas e serem exibidas como topo de gama, para gáudio do vaidoso proprietário, vamos ter indústrias inteiras a trabalhar abaixo da sua capacidade potencial e com todas as suas Empresas a lutar para… não perder muito dinheiro. 

Suspeito que vamos ter determinações grandiosas, orientações sectoriais, ambições e objectivos macro, quando o que precisamos é de trabalho micro de formiguinha, empresa a empresa, projecto a projecto, posto de trabalho a posto de trabalho. 

Mas isto tudo são apenas suspeitas. Aguardemos, tranquilamente, por 3ª Feira… 

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Os Académicos da Austeridade


Nada move a Alice contra a Academia e os seus Académicos. A realidade é que a Alice também tem uma pequena costela de académica e conhece bem a classe. 

Por isso, compreende o que custa andar meses e, por vezes, anos a estudar um determinado assunto e constatar que a realidade não se adapta à investigação tão arduamente elaborada. 

A reacção típica, nos menos sérios (os aldrabões), é deturpar os números; nos mais sérios (os quixotescos), é ler nos números coisas que eles não dizem. Qualquer das duas abordagens é perfeitamente inócua para o comum dos mortais (i.e. para aqueles que estão fora da Academia) e não representa qualquer tipo de perigo para a Sociedade em geral. Até ao dia em que pessoas menos avisadas (leia-se políticos) decidem pegar nos estudos dos académicos e começar a fazer políticas públicas com base neles. 

Vem isto a propósito do “paper” elaborado em 2010 pelos Profs. de Harvard, Kenneth Rogoff e Carmen Reinhart que concluía que países com dívida pública superior a 90% do PIB têm crescimentos mais baixos. Esta conclusão tem sido esgrimida pelos partidários da austeridade como a explicação científica para defender a bondade da austeridade a todo o custo como forma de garantir crescimento futuro. 

Um grupo da Universidade de Amherst no Massachusetts (o que ainda nos vale é a velha rivalidade entre académicos) repetiu a análise com os mesmos dados e descobriu vários erros de codificação, exclusão selectiva e pesos enviesados nas ponderações. Para resumir os resultados do contra-estudo, para países com dívida pública acima de 90%, a média do crescimento era de 2,2% e não de -0,1%. Diferença considerável não? 

A Alice não vai entrar agora em grandes detalhes sobre as razões destas diferenças, possíveis impactos, etc. Para uma discussão detalhada sobre o assunto, vejam os vários artigos que têm sido publicados pelo FT. 

O que verdadeiramente preocupa a Alice é quando os políticos decidem utilizar estes estudos, os incorporam nas suas decisões políticas e, como consequência, começam a governar com base em folhas de Excel. Esquecem-se por completo de aplicar a ferramenta mais poderosa que o ser humano tem (note-se que nem todos os Académicos a demonstram) que se chama: BOM SENSO. 

E o que é que o BOM SENSO nos diz sobre esta matéria? É simples e a Alice vai resumir em pontos claros e directos para não ser excessivamente maçadora. Não é sabedoria de Harvard, mas é da Asprela em Paranhos: 

- Para efeitos do crescimento do PIB, não é só a dívida pública que conta, a privada também tem impacto; 

- Dívida a mais é má! A necessidade de cumprir o serviço da mesma, acabará por pesar nas contas públicas e privadas reduzindo o crescimento; 

- Dívida a menos também pode ser má! Significa que o País não tem grandes alternativas de crescimento futuro e, sem novos projecto, o crescimento acabará por abrandar; 

- Dívida criada para financiar bons projectos é boa e conduz a crescimento (a construção da primeira auto-estrada entre as duas principais cidades de um País, a infra-estruturação com linhas de comunicação de um País, o investimento em novas refinarias são exemplos de bom investimento); 

- Dívida criada para financiar maus projectos é má (a construção da 3ª auto-estrada entre as duas principais cidades de um País, a construção de estádios de futebol, obras em escolas perfeitamente funcionais, são exemplos de mau investimento); 

- Dívida criada para financiar reduções de impostos pode ser boa para o crescimento; 

- Dívida reduzida através do aumento de impostos pode ser má para o crescimento. 

E é tudo. Não é uma fórmula, é certo. Mas a vida não é uma fórmula e a Alice garante que as decisões tomadas com base nestes princípios genéricos acabarão por ser bem mais eficazes do que as decisões ditadas por fórmulas.

quarta-feira, 17 de abril de 2013

O Relvas do Eurogrupo


Jeroen Dijsselbloem, novo líder do Eurogrupo, não concluiu o seu mestrado em Cork na Irlanda, ao contrário do que o seu CV anuncia. Consta que terá passado menos de oito meses por lá. 

Não fosse a arrogância que o senhor demonstra na forma como fala dos outros, nomeadamente de nós - os do Sul - e a Alice pouca importância atribuiria ao facto. 

Se essa arrogância não viesse associada a uma profunda ignorância e insensibilidade quanto à forma de funcionamento dos mercados financeiros que o levou a, qual pirómano confrontado com uma luxuriante floresta por altura do Verão, decretar que Chipre serviria de exemplo a futuros resgates bancários, a Alice até o desculparia. 

Infelizmente, este personagem reúne todo o catálogo de defeitos mencionado. Conseguiu, quase sozinho, reacender todo o debate à volta (da viabilidade) do Euro e, de uma só penada, quase acabar com a União Bancária (se não tiver mesmo acabado com ela). 

Quem com o ferro mata, pelo ferro morre… 

A Alice aguarda o correspondente pedido de demissão. Espera é que não demore tanto tempo quanto os de cá! 

terça-feira, 16 de abril de 2013

Redução de Funcionários Públicos nos EUA


De acordo com o Wall Street Journal (Market Watch), o IRS (agência que fiscaliza as declarações de impostos dos contribuintes) tem menos 7.000 pessoas do que há um ano atrás. Em algumas áreas, o número de funcionários caiu cerca de 6%!

Tal acontece devido aos cortes orçamentais impostos pelo congresso e que Obama tão relutantemente assinou em Março (mais de $85Bi). Para além de haver um congelamento oficial nos recrutamentos, houve dispensa de alguns funcionários, nomeadamente nas áreas de inspecção. 

Apesar do número de inspecções físicas efectuadas estar a cair, tal não significa que as pessoas possam estar mais tranquilas e confiantes de que escaparão às malhas do controlo! 

Com efeito, a agência de investigação tem estado a adaptar os seus métodos de trabalho para ser igualmente eficaz com menos trabalhadores, fazendo menos inspecções “cara-a-cara” e mais inspecções recorrendo a meios informáticos e por correspondência. 

Para além disso, as multas e penalidades aumentaram para dissuadir os prevaricadores. 

Já diz o velho ditado: “quem não tem cão, caça com gato” ou, dito de outra forma, gastar menos nos serviços públicos não significa, necessariamente, fazer ou produzir menos.

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Os novos membros do Governo


A Alice tem de dar o braço a torcer!

Em post de há duas semanas (ver aqui) tinha vaticinado que a remodelação Governamental teria de ocorrer até ao final do mês de Abril (previsão correcta, ainda que a remodelação tenha sido um tanto ou quanto pífia) e que Passos Coelho iria ter dificuldades para encontrar pessoas à altura dos desafios a enfrentar. 

Neste último ponto, as previsões da Alice revelaram-se incorrectas. 

Miguel Poiares Maduro tem um currículo sólido, é claramente uma mente esclarecida e tem uma grande experiência académica em temáticas relacionadas com o direito Europeu e crises bancárias (foi um dos consultores no caso Icesave da Islândia). 

Pedro Lomba, outro jurista e académico, uma personalidade curiosa e um atento observador da política nacional, que verte opinião em coluna regular no Público. 

São duas personalidades que, do ponto de vista da Alice, de uma valia considerável. No entanto, há alguns pormenores que não tranquilizam a Alice: 

1. o perfil académico não tem sido garantia de um bom desempenho político; 

2. a Alice não está certa de que haja um alinhamento claro entre a experiência destas personalidades e as suas funções no Governo (Miguel Poiares Maduro com o Desenvolvimento Regional? Só por causa do QREN?) 

3. as hostes do(s) partido(s) já começaram a mostrar as suas garras para com estes “extra-terrestres” (aliás, como fizeram com Álvaro Santos Pereira); 

Em todo o caso, se a escolha destas personalidades contribuir para uma melhoria da imagem geral do Governo na Europa (não podemos estar dependentes de Gastar, ele próprio um candidato à remodelação, mais tarde ou mais cedo...) e para que Pedro Passos Coelho consiga fazer leis que se entendam e orçamentos que fiquem dentro dos limites da constitucionalidade, já podemos contabilizar uma pequena vitória para o País.

Em resumo, boas escolhas! Claramente melhores do que a Alice esperaria que Pedro Passos Coelho arranjasse no actual estado comatoso do seu Governo. Ainda assim, continua em falta uma lógica de funcionamento do Governo que faltou desde o início e que sucessivas micro-alterações apenas agravaram, e ainda há um deficit de experiência política ou, como alguém dizia, de “cabelos brancos”. Aguardemos os próximos desenvolvimentos.

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Os Fundos Revitalizar


Finalmente, os Fundos Revitalizar estão aí a chegar.

Depois da concretização daquele que a Alice considera ser um dos maiores contributos para as Empresas nacionais do actual Governo: o PER (o Chapter 11 português), estes fundos são mais uma iniciativa e o resultado do excelente trabalho que o Sec. Estado Adjunto da Economia, Dr. Almeida Henriques, desenvolveu durante o tempo em que esteve no Governo (sai amanhã).

São 220 milhões, distribuídos por 3 fundos de capital de risco, um por cada região: Norte (gerido por Explorer Investments), Centro (Oxy Capital), Lisboa/Alentejo/Algarve(Capital Criativo). Estes são os maiores fundos de capital de risco alguma vez apoiados pelos fundos estruturais.

Estes fundos são provenientes em 50% do QREN e em 50% de 7 Bancos Nacionais, mas com uma grande novidade e que pode fazer toda a diferença: são geridos por profissionais. Isto significa que estão nisto para ganhar dinheiro, ajudando as empresas (e empresários) a ganhar dinheiro também. É 'smart money' à séria e, como tal, não é para qualquer Empresa...

Como tem sido amplamente discutido (e a Alice tem defendido aqui), as Empresas estão genericamente descapitalizadas e com excesso de endividamento bancário. A realidade é que hoje o capital é curto. É difícil angariar investidores estrangeiros de capital de risco para o mercado nacional. Os Fundos nacionais, privados e públicos, estão todos praticamente esgotados. Por esta razão, os Fundos de Revitalização são bem vindos e só pecam por serem relativamente curtos para as necessidades do nosso tecido empresarial.

Os regulamentos de gestão dos Fundos estão a ser aprovados na CMVM. Mais algumas semanas e já estarão no terreno. As Empresas que podem ambicionar aceder a estes fundos e as principais condições são:

- PME viáveis em fase de expansão / crescimento;

- Investimento em território nacional;

- As empresas não podem estar em dificuldades (conceito CE);

- 70% do investimento tem de ser concretizado sob a forma de capital social ou instrumentos de quase capital (ex. Obrigações Convertiveis);

- €1,5 milhões de investimento máximo anual por Empresa.

Está na hora de começar a puxar pela economia. Para as Empresas ambiciosas, com capacidade de crescimento e boa gestão, a falta de dinheiro já não é desculpa.

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Vendam o Ouro!


A Alice gosta muito de uma frase de Tom Jobin que traduz bem a ideia subjacente ao presente post: “O dinheiro não é tudo. Não se esqueça também do ouro, os diamantes, da platina e das propriedades.” 

De acordo com notícias vindas ontem a público, Chipre foi autorizado a vender as suas reservas de ouro como forma de financiar parcialmente o seu buraco financeiro. São cerca de 10 toneladas que renderão €400 milhões. 

Ora, Portugal dispõe de 380 toneladas de ouro o que, trocado em patacos, daria cerca de €15.000 milhões. O suficiente para reduzir em cerca de 5% a dívida pública ou, em alternativa, financiar as necessidades da República para o corrente ano sem ser necessário qualquer resgate adicional. 

Os Governos estão limitados na sua liberdade para alienar o ouro, a bem da estabilidade do Euro. No entanto, caso fosse outro Banco Central da Europa a comprar (por exemplo o Bundesbank) ou, no limite, o BCE tal não comprometeria em nada a estabilidade da moeda. 

Para além de ajudar financeiramente Portugal, daria um sinal claro à Europa e ao Mundo do comprometimento da Europa na ajuda a Portugal, sem favores desprestigiantes para o País (como um segundo resgate será visto). 

Uma segunda opção seria autorizar Portugal a emitir dívida com colateral do próprio ouro (gold-linked bonds). Esta garantia certamente permitiria a emissão em condições de taxa de juro muito favorável. Não resolvia o problema de redução da dívida pública mas resolvia o problema do financiamento imediato da República, obviando o tal segundo resgate. 

Como já aqui foi dito a propósito de um outro post, estamos em altura de soluções não convencionais e esta é certamente uma delas que, para além de tudo mais, tem a virtualidade de mostrar ao mundo que a Europa tem os seus interesses devidamente alinhados com todos os Países que atravessam dificuldades.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Demitam-se!


Este desafio (ainda) não é dirigido ao Governo. A Alice acredita que as legislaturas são sempre para levar até ao fim, salvo situações muito excepcionais. 

Ontem o Reitor da Universidade de Lisboa escreveu um comunicado intitulado “Não é fechando o país que se resolvem os problemas do País”. 

Nele, o reitor insurge-se contra o despacho do Ministro das Finanças que, nas suas palavras, “levado à letra … bloqueia a mais simples das despesas… Ficamos impedidos de comprar produtos correntes para os nossos laboratórios, de adquirir bens alimentares para as nossas cantinas ou de comprar papel para os diplomas dos nossos alunos”. 

A Alice é completamente insuspeita. Já aqui disse, por várias vezes (a última das quais no post de segunda-feira), que gerir as Finanças Públicas desta forma e tratar os Funcionários Públicos como saco de pancada não é a solução para o País. 

No entanto, as pessoas de responsabilidade não podem limitar-se a emitir comunicados, por muito esclarecedores que sejam. O reitor da UL e os seus pares ao nível máximo da Administração Pública só têm uma solução para serem consequentes com as suas palavras: demitirem-se dos seus lugares. 

Só com uma demissão em massa dos responsáveis máximos pela Administração Pública o Governo começará a abrir os olhos e a capacitar-se de que o caminho da força e do pontapé não é solução. Se continuarem nos seus lugares como se nada tivesse acontecido o Governo só pode tirar uma conclusão: “ai aguentam, aguentam…”

terça-feira, 9 de abril de 2013

Draghi, salva-nos mais uma vez!


Wolfgang Munchau sugeriu num artigo do FT um conjunto de medidas radicais por parte do BCE para resolver o problema de crédito no Sul da Europa e, por arrasto, a crise do Euro.

Este articulista tem sido dos mais lúcidos proponentes de soluções não convencionais para a crise do Euro. No artigo referido ele elenca três medidas que passam por:

1. o BCE tem de encontrar forma de dar incentivos directos aos Bancos para que estes emprestem dinheiro, flexibilizando os requisitos de colateral nos financiamentos do BCE aos Bancos (por exemplo, aceitando que os próprios empréstimos dos Bancos às Empresas sirvam de colateral);

2. sustentar um programa de financiamento maciço a ser implementado pelo Banco Europeu de Investimento para Co-financiar empréstimos a PMEs;

3. a mais radical de todas as sugestões seria a compra directa pelo BCE de obrigações corporativas emitidas por empresas, no mercado primário e secundário, financiando directamente as empresas.

Os únicos obstáculos à implementação destas medidas são políticos e não legais.

Em última análise, a aceleração da União Bancária resolveria este problema, mas estas alternativas intermédias poderiam dar uma ajuda enquanto a prometida união não chega.

É altura de bater novamente à porta de Draghi e pô-lo a convencer os alemães. Com medidas convencionais está visto que não chegamos lá!

Artigo em http://www.ft.com/intl/cms/s/0/df18590a-9d4b-11e2-a8db-00144feabdc0.html#axzz2PyHfE8nX

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Deixem de ser queixinhas!


A Alice não é jurista, muito menos constitucionalista. Como tal, abstém-se de entrar na discussão sobre a bondade do acórdão do Tribunal Constitucional (até porque são muitas páginas e a Alice tem por hábito não comentar coisas que não lê). Há, porém, algumas observações sobre o tema que a Alice considerar importante trazer à colação. 

Os Juízes do Tribunal Constitucional são nomeados pelo Parlamento, i.e. por acordo entre os principais partidos, os agora pomposamente designados por “do arco da governação”. Ficaria bem alguma moderação nas críticas ao Tribunal Constitucional e aos seus Juízes. Se eles são incompetentes nas suas apreciações, provavelmente a responsabilidade será dos ineptos que lá os colocaram. A Alice não está esquecida do triste espectáculo que PS e PSD deram aquando da última nomeação de juízes, com um impasse que durou semanas por não se porem de acordo quanto à nomeação de alguns elementos com um currículo alegadamente insuficiente para a função… Pois… 

Todos tínhamos consciência que as decisões que o Governo necessitava implementar para cumprir o memorando da Troika (e, antes, os PECs do Governo Socialista), indiscutivelmente difíceis, estariam a roçar o limite da constitucionalidade. A estratégia para ultrapassar a urgência financeira e conseguir a deferência do Tribunal Constitucional – recorde-se ainda com o anterior Governo - foi a dos “cortes temporários”. A realidade é que o temporário vai-se tornando em definitivo e o Governo não pode agora querer cristalizar constitucionalmente algo que foi encastrado como temporário. 

Ainda no ano passado o Tribunal Constitucional deixou passar o Orçamento de 2012 com normas que considerou inconstitucionais e que avisou não aceitaria no futuro. Passos Coelho não conseguiu o que Manuela Ferreira Leite chegou a dizer que necessitava - suspensão da democracia -, mas logrou uma “suspensão” da Constituição.

Os Funcionários Públicos não podem, de facto, ser saco de pancada da “austeridade”. Se os há incompetentes, insolentes, preguiçosos, em excesso, pois despeçam-nos. Se não podemos pagar o Estado Social que queremos, pois que se discuta o que devemos pagar. Cortar indiscriminadamente a todos, sem critério nem convicção não é justo para os Funcionários Públicos e não resolve a nossa necessidade de ter uma boa Administração Pública. A Alice já aqui defendeu que um País desenvolvido e competitivo também tem de ter uma Administração Pública competente e produtiva. 

A austeridade toda somada, nos últimos 2/3 anos, entre aumento de receita e corte de despesa, anda já na ordem dos €20 mil milhões. Querer que o Tribunal Constitucional sirva de bode expiatório relativamente ao sucesso do actual memorando ou à necessidade de um segundo resgate por causa de €800 milhões não é intelectualmente honesto.

Se o Governo não tivesse propositadamente feito escalar esta discussão para níveis inaceitáveis (de pressão política) e tivesse apenas dito que iria encontrar alternativas de corte de despesa para fazer face a tudo o que o Tribunal Constitucional considerasse inconstitucional não teria havido todo este circo à volta da decisão e não teríamos que estar hoje numa situação internacional tão delicada.

António José Seguro também não pode assobiar para o lado. Quando (e se) chegar ao poder estará confrontado exactamente com os mesmos problemas (vide Hollande em França). Já também aqui foi dito que ele é o principal interessado em que o País encontre um enquadramento constitucional (e também social e económico) para vencer a crise. Será mais inteligente herdar um País com os problemas em vias de serem resolvidos do que herdar o País no seu estado actual (a Alice está a considerar que o Presidente do PS ganhará facilmente as próximas eleições). 

Salvaguardando as devidas distâncias, a Alice recorda que em Março deste ano Obama teve que assinar um decreto eliminando um vasto conjunto de despesas públicas que totalizam o valor assustador de $85Bi. Ele era contra este corte e lutou com o Senado para não ter de o fazer. No entanto, no fim assinou sem pestanejar. Não o vimos culpar a Constituição Americana pelo sistema de “checks and balances” que não permite ao Presidente da República (num regime Presidencialista) fazer tudo o que quer. 

Aquando da discussão final sobre a Constituição Americana, Benjamim Franklin, então com 81 anos, disse a George Washington: “Sr. Presidente, confesso que há várias partes desta constituição que eu actualmente não aprovo, mas não estou certo de que nunca as irei aprovar”. Ter a consciência de que poderia não concordar com algo mas que poderia estar errado e até vir a mudar de opinião no futuro (recordo, com 81 anos). Não poderia haver maior prova de humildade!

Humildade que faz muita falta aos nossos políticos. O facto de as pessoas se julgarem certas não significa que estejam certas…

Em resumo, se é necessário alterar a Constituição, então altere-se. Se não é necessário, então façam orçamentos que cumpram a Constituição. Não arranjem bodes expiatórios para aquilo que o Governo (e oposição, já agora) não conseguem fazer acontecer. É feio e não nos resolve o problema. Para Governo e Oposição, a mensagem da Alice é: deixem de ser queixinhas!

sexta-feira, 5 de abril de 2013

E agora Pedro Passos Coelho?


A Alice estava longe de imaginar que o seu post de 2ª feira (ver aqui) se viesse a revelar tão profético. Com efeito, a Alice vaticinou que o Governo não podia durar muito mais. Nunca imaginou é que ele se começasse a desagregar já esta semana e ainda antes de se saber qual a decisão do tribunal constitucional sobre o orçamento de 2013 ou de Sócrates começar com os seus comentários.

Miguel Relvas demitiu-se ontem. No dia anterior, a Ministra da Justiça e o Ministro da Saúde, este último unanimemente considerado como um (ou o) dos mais competentes do Governo, manifestaram a sua vontade de abandonar o Governo. 

E os outros? 

Bem, é por demais evidente que o Ministro da Economia será também substituído na remodelação que se adivinha (que outra justificação poderá existir para não substituir um secretário de estado com o peso político e a importância, merecidamente conquistada, de Almeida Henriques?). 

O Ministro da Defesa também tem revelado dificuldade em domar as tropas. Para além das migalhas que vai conseguindo de Victor Gaspar para “aguentar” os aumentos salariais dos generais, pouco mais tem feito. A estratégia de defesa nacional continua como sempre, i.e. inexistente. 

A Alice tem algumas dúvidas que Crato resista ao facto de ter colocado o derradeiro prego no caixão político de Miguel Relvas. A política é a única área da vida humana em que a vingança se serve melhor a quente. 

Victor Gaspar não pode sair, ainda que quisesse, pois os seus patrões Europeus não autorizam. Os Ministros do CDS-PP têm tido o condão de, pelo menos, se manterem afastados das confusões e a sua presença no Governo continua a ser fundamental para sedimentar a vitalidade do Partido. Miguel Macedo deverá ser o “laranjinha” de serviço a quem, provavelmente, caberá a futura coordenação política do Governo. 

Entretanto, Passos Coelho parece genuinamente perdido. Ora ameaça o PS (ou o País, a Alice já nem sabe bem) com um segundo resgate, ora acusa antecipadamente o Tribunal Constitucional de falta de responsabilidade. Este sentimento é compreensível. Passos Coelho está sozinho. 

A grande questão que se segue é quem é que Passos Coelho irá escolher para substituir os Ministros cessantes? Mais do que isso: quem é que ele irá convencer? Se é sabido que alguns dos actuais já foram segundas escolhas, na situação do País e do Governo só um louco (ou alguém tremendamente ambicioso) aceitará integrar o Governo. 

Arriscamo-nos a, pela primeira vez em democracia, o Primeiro-Ministro não conseguir formar Governo, não porque não goze de apoio parlamentar, mas porque não encontra pretendentes para os pelouros! 

A Alice está convencida que o próximo mês será muito sumarento. A remodelação terá que ocorrer até final de Abril. Portugueses… mantenham o telefone ligado… pode ser que seja desta que recebem um telefonema a convidar para integrar o novo executivo. 

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Em busca do pulmão exportador


Na sequência do post de ontem sobre a alienação e desmembramento da Cimpor, convém reflectir sobre o que é que Empresas como esta podem fazer para puxar pela economia Portuguesa. 

Nem de propósito, ontem o jornal espanhol Expansión publicou uma análise sobre a dimensão internacional das Empresas cotadas na Bolsa espanhola (IBEX). Este estudo conclui que 61% das receitas destas Empresas em 2012 foram originadas no exterior. 

O aumento de facturação fora de Espanha destas Empresas foi de 13% (para 290 mil milhões de Euros), o que compara com um crescimento de apenas 1,5% das mesmas Empresas no mercado interno. 

A experiência internacional das grandes empresas espanholas tem sido muito positiva, com destaque especial para Empresas como a Grifolds, Inditex, OHL, Abengoa, Tecnicas Reunidas, Abertis, Ferrovial, ACS, Santander, BBVA, Repsol e Telefónica. 

Estas grandes Empresas crescem internacionalmente, valorizam os seus recursos humanos, dando oportunidades de carreiras internacionais e puxam por outras Empresas relacionadas, sobretudo pelos seus fornecedores. 

Se olharmos para as maiores Empresas Portuguesas cotadas em bolsa a situação é precisamente inversa. O último número de que a Alice teve conhecimento apontava para um nível de actividade internacional da ordem dos 20%. 

Por muito que a Alice defenda as PMEs, é chegado o momento de fazer mexer a agulha com algum significado. Se queremos continuar a pugnar por maior crescimento nas exportações temos que apostar num trabalho sério e profundo com as maiores empresas nacionais, uma a uma, sector a sector, mercado a mercado, projecto de investimento a projecto de investimento. 

Andar só nos cenários macro, a discutir taxas de desemprego, taxas de juro, etc. não nos leva a lado nenhum. Temos que passar para um patamar mais micro, mas fazê-lo apostando nas Empresas com capacidade para mudar substantivamente os números. Exemplo disto é o grande investimento efectuado pela Galp que foi um dos grandes pulmões do crescimento das exportações em 2011 e 2012. É de mais pulmões destes que necessitamos.

quarta-feira, 3 de abril de 2013

Realpolitik na Cimpor?


Há menos de um ano o (des)equilíbrio accionista na Cimpor foi resolvido através de uma OPA lançada pela Camargo Correa - accionista “estratégico” (i.e. concorrente) da Empresa - que, antecipadamente, acordou com a Votorantim (o outro accionista “estratégico”) a repartição dos activos da Cimpor após a conclusão da operação. 

O sucesso da mesma foi garantido pelo apoio, em tempo recorde (no próprio dia), do único accionista capaz de fazer de fiel de balança nesta luta, o Estado, através da CGD (e BCP). Tal apoio foi concedido sem qualquer negociação de preço ou outras condições, sem tentativa de encontrar mais interessados (eles existiam), sem sequer se fazer um pouco difícil (nem que fosse para disfarçar)!

A partir de uma posição de charneira entre dois grandes accionistas – tipicamente uma boa situação para ganhar dinheiro numa operação deste tipo – o Estado conseguiu ficar refém de um negócio em que os potenciais concorrentes se juntaram para concretizar a compra. Para conseguir aprovar a operação no palco político e empresarial Português, os compradores prometeram que o centro de decisão do Grupo se manteria em Portugal e que não haveria despedimentos nem redução da dimensão do Grupo em Portugal. 

Ainda nem a tinta do acordo tinha secado e os novos “donos” da Cimpor já estavam a decapitar a estrutura de gestão e a fazer um processo de reestruturação que passou pela redução de 60 trabalhadores. Menos de um ano depois, anunciam o despedimento de mais 150 trabalhadores e o encerramento de uma fábrica. Justificação avançada? A quebra de vendas de 70% entre 2001 e 2012… 

A Alice não discute a necessidade desta reestruturação. O negócio em Portugal da construção está moribundo, o cimento viaja mal e não se antecipam melhorias no médio prazo. A realidade é que este facto já era visível há um ano, pelo menos considerando que as vendas caem desde 2001… Não deveria constituir uma surpresa! 

O desfecho desta história já está bom de ver. Os brasileiros vão repartir entre si os apetecíveis activos internacionais da Cimpor que, recorde-se, chegou a estar no top-10 mundial do sector (em quantos sectores podemos dizer o mesmo?). O que sobra em Portugal acabará por ser vendido à Semapa, a bem da viabilidade do sector em Portugal, atendendo a que a Cimpor será demasiado pequena e necessitará de encontrar “sinergias” para sobreviver. A Autoridade da Concorrência vai lançar uma investigação aprofundada e, no fim, vai concluir que, de facto, Cimpor e Semapa terão que se juntar. E, posto isto, temos mais um sector em Portugal que ficará menos competitivo e menos concorrencial… Dos brasileiros não rezará a história.

A Alice já sabia que a Realpolitik também existia nos negócios. O Estado e a CGD é que, aparentemente, não. Isso ou são completamente incompetentes. Qualquer uma das alternativas é má… e sai-nos do bolso!

terça-feira, 2 de abril de 2013

Auto-ajuda by Fernando Pessoa


A Alice é viciada em livros de auto-ajuda, como os seus leitores mais assíduos já sabem. O que provavelmente não sabem é que Fernando Pessoa, o grande poeta, também escreveu sobre o tema. Como podem comprovar, os ingredientes da auto-ajuda estão cá todos:

Posso ter defeitos, viver ansioso e ficar irritado algumas vezes,
mas não esqueço de que minha vida é a maior empresa do mundo.
E que posso evitar que ela vá a falência.
Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver
apesar de todos os desafios, incompreensões e períodos de crise.
Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas e
se tornar um autor da própria história.
É atravessar desertos fora de si, mas ser capaz de encontrar
um oásis no recôndito da sua alma .
É agradecer a Deus a cada manhã pelo milagre da vida.
Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos.
É saber falar de si mesmo.
É ter coragem para ouvir um ‘não’.
É ter segurança para receber uma crítica, mesmo que injusta.
Pedras no caminho?
Guardo todas, um dia vou construir um castelo…
(Fernando Pessoa)

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Os sete pecados capitais de Pedro Passos Coelho


Hoje, em jeito de resumo histórico sobre o Governo de Pedro Passos Coelho, a Alice resolveu sintetizar aqueles que considera terem sido os 7 pecados capitais da sua governação.

A oportunidade deste resumo não se prende com a chegada de Sócrates à propaganda política (perdão, comentário político) nem, tão pouco, com a propalada ingovernabilidade do País em face de um eventual chumbo do Tribunal Constitucional ao Orçamento de Estado para 2013. É evidente que este Governo não pode durar muito mais. É ainda mais claro que apenas se pode culpar a si próprio pelo beco sem saída em que se meteu.

Os sete pecados capitais foram:

1.    Preguiça

Passos Coelho sempre teve consciência de que as medidas que necessitava implementar para resolver os nossos problemas exigiam uma revisão constitucional.

Tanto assim é que, ainda candidato, solicitou uma proposta de revisão constitucional a Paulo Teixeira Pinto. Mais tarde, quando começou a sentir o terreno a fugir-lhe debaixo dos pés, ainda falou de uma refundação das funções do Estado (inconsequente sem revisão constitucional).

Das duas vezes recuou. Porventura terá sentido que uma revisão constitucional seria um projecto difícil de implementar. Requereria o apoio do PS. Possivelmente considerou que teria de fazer cedências. Admitiu que, em alternativa, seria possível “convencer” o Tribunal Constitucional da bondade das medidas a implementar.

O que quer que lhe tenha passado pela cabeça, faltou-lhe a força, a coragem, a capacidade de argumentação e de persuasão, a magnanimidade dos vencedores para convencer o PS. Foi vencido pelo cansaço ainda antes de ter começado.

2.    Luxúria

Passos Coelho deixou-se dominar pelo imediatismo das paixões passageiras. Preferiu o “one night stand” das medidas excepcionais, a construir um novo Estado a sério, com cortes na despesa e com uma nova forma de se relacionar com os cidadãos.

Decidiu cortes temporários (até quando?) nos funcionários públicos, taxas de solidariedade extraordinárias (quando voltaremos ao ordinário?), aumentos nos serviços públicos, etc.

Em simultâneo, manteve um relacionamento conspícuo, cedendo à sua lascívia e sensualidade, com alguns interesses instalados dentro e fora do Estado, desde as forças armadas, às PPPs e às rendas da energia.

3.    Ira

Semeou ventos e tempestades, desde logo com o seu parceiro de coligação, cujo presidente foi relegado para um distante 3º lugar na hierarquia do Governo.

Distanciou-se do PS, a quem entendeu nunca dar conta sobre as suas decisões. Não cuidou de estabelecer pontes que lhe valessem em momentos de maior aperto. Em procurar, na falta de um apoio explícito e incondicional, uma cooperação implícita e compreensiva.

Desvalorizou os parceiros sociais, dizendo uma coisa em concertação para logo a seguir a desdizer nos jornais. Lançando ideias mirabolantes para posteriormente fazer recuos espalhafatosos (TSU, Horas de trabalho, Indemnizações, etc.).

A seu tempo até o Presidente da República se demarcará de Passos Coelho e das suas políticas. Ninguém gosta de estar do lado dos perdedores.

4.    Gula

Passos Coelho não resistiu a ir para além da Troika. Na ânsia de demonstrar a sua capacidade de acção e de obediência face ao poder dos credores agiu como um guloso compulsivo sem capacidade para controlar a sua cobiça.

Marcou como objectivo sermos mais fortes, mais altos e de chegar mais longe, esquecendo que o percurso que Portugal tem de trilhar é mais parecido com uma Maratona do que com os 100m. Portugal nunca deu grandes corredores de velocidade mas teria uma boa possibilidade de se dar bem numa corrida de fundo.

Infelizmente, o País não estava preparado para o esforço adicional que se lhe exigiu. O tecido económico não reagiu como anteciparam os modelos do Governo. Tomar demasiado de uma coisa boa pode ser um exagero…

5.    Avareza

Na impossibilidade de subjugar a despesa com a rapidez que desejava, Passos Coelho olhou para o rendimento dos contribuintes como fonte “inesgotável” de receita.

Aqui também foi insaciável. Todo e qualquer incumprimento de redução da despesa e todo e qualquer desvio orçamental foi corrigido com o recurso a essa droga viciante que dá pelo nome de “impostos” e o seu sucedâneo, não menos letal, conhecido por “taxas”.

O contribuinte fica na ignorância, como sempre. De quanto mais irá sofrer, durante quanto tempo, e a título de quê? O que é que os seus impostos e taxas estão verdadeiramente a pagar? Défices antigos? Despesas supérfluas actuais? Juros?

6.    Inveja

Um sentimento que Pedro Passos Coelho tem tentado incutir na discussão política, quando arregimenta umas “classes” contra as outras, a bem do desígnio que persegue.

Ele é funcionários públicos contra privados. Pensionistas contra trabalhadores no activo. Empregados contra desempregados, Desempregados contra emigrantes, etc., etc. Nunca a luta de classes foi tão utilizada para fundamentar a actuação do Governo na busca de um suposto bem comum que nenhuma das classes é capaz de vislumbrar.

Não deixa de ser caricato que tanto conflito de classes seja promovido por um Governo (supostamente) tão liberal. Fosse Marx vivo e rejubilaria!

7.    Vaidade

Todos os pecados acima mencionados são cometidos com grande soberba. Passos Coelho acha convictamente que ele é o único capaz de evitar que o País se dirija ao desastre há muito anunciado.

Ele foi “O Escolhido” para esta cruzada. Ele está numa missão. Não tem tempo a perder com coisas comezinhas como o tribunal constitucional, a oposição, os comentadores. A sua superioridade não é só factual nem sequer advém de um qualquer mandato explícito concedido por terceiros (o povo, claro), ela é moral.

Passos Coelho está tão cheio de si próprio que nem consegue ver os pecados que comete na sua cruzada. Estes vão-lhe ser fatais... a ele e a nós...