sexta-feira, 26 de abril de 2013

Os Swaps são armas de destruição maciça?


A Alice já abordou este tema em post recente, que pode revisitar aqui. Nele pretendeu explicar o mecanismo de funcionamento dos swaps de taxa de juro, as razões para a sua contratação e os casos que conhecia em que tal correu mal. No exemplo apresentado, partiu-se do princípio que ambas as partes estavam de boa-fé e que as circunstâncias anormais ocorridas posteriormente nos mercados financeiros ditaram resultados inusitados.

No entanto, as últimas notícias vindas a público dão conta de problemas bem mais complexos do que o que foi explanado no “post” acima. Uma coisa é contratar um swap no sentido de proteger uma exposição que uma Empresa tem actualmente no balanço e para um risco determinado, identificável e quantificável. Outra coisa é contratar um swap com efeitos meramente especulativos ou de cosmética de resultados e balanços.

Caso um swap tenha sido contratado para proteger uma exposição que a Empresa tenha no seu balanço, as perdas que esta sofre na operação swap deverão ser compensadas pelos ganhos registados na sua exposição de base. No caso em concreto, as perdas de €3.000 milhões em swaps alegadamente incorridas pelas Empresas públicas de que se fala, deveriam ter correspondência em €3.000 milhões de juros a menos pagos por essas Empresas (ou a pagar durante toda a duração do contrato).

Se, por outro lado, este instrumento tiver sido utilizado erradamente, seja por incompetência, seja para mascarar as contas no curto prazo, seja para qualquer outro fim que a Alice nem tem capacidade de imaginar, é natural que possamos estar confrontados com perdas sem recuperação possível.

Vejamos apenas alguns exemplos muito simples para ilustrar o que pode ter acontecido nos casos em apreço, em que estes instrumentos poderão ter sido mal aplicados (a Alice não pretende transformar este post numa aula de finanças, mas é importante entender estes conceitos para perceber o que aconteceu no nosso caso doméstico):

- diferença na dimensão da exposição (size exposure mismatch): quando o swap contratado tem por base um valor (notional amount) desproporcionado face ao valor da exposição no balanço. Se uma Empresa tem uma dívida de €1.000.000 e contrata swaps para €10.000.000, está a assumir um risco nos derivados 10 vezes maior do que o que tem “à vista”.

- diferença no activo da exposição (asset exposure mismatch): quando o swap contratado tiver por base um activo diferente daquele que constitui a exposição no balanço da Empresa. Se uma Empresa se quer defender contra a evolução adversa das taxas de juro em Euros e contrata um swap de taxa de juro em USDollars, corre o risco de ter resultados diferentes nas duas exposições.

- diferença na maturidade (maturity mismatch): quando o swap contratado expira em data diferente da correspondente exposição no balanço. Se uma Empresa tem um financiamento a 10 anos e contrata um swap a 5 anos, só ficará coberta para os primeiros 5 anos da exposição e corre também um risco mais técnico que tem que ver com a “yield curve” de cada um dos instrumentos (não vamos aprofundar mais isto aqui).

Qualquer uma das diferenças acima mencionadas poderá gerar ganhos ou perdas consideráveis no mercado de derivados.

Há ainda outro tipo de “manobras” que podem também ter sido utilizadas. É possível formatar estes contratos para que haja um pagamento à cabeça de uma das partes à outra. Pode ter acontecido que quem negociou estes contratos, na ânsia de registar lucros mais cedo, tenha aceitado condições contratuais para receber um valor na data de contratação e registar correspondente lucro. Se tal for o caso, as perdas actuais podem apenas ser o reverso da medalha das receitas já encaixadas no passado.

Resumindo e concluindo, caso as operações de swap tenham sido desenhadas e montadas para proteger riscos existentes, então as perdas nos swaps deverão corresponder a ganhos noutro sítio qualquer e não haverá qualquer razão para atacar quem os contratou e quem os vendeu. Se, pelo contrário, estas operações tiverem sido desenhadas com contornos especulativos ou com o intuito de mascarar perdas e compor contas, então é preciso escrutinar muito bem o sucedido e responsabilizar quem tiver que ser responsabilizado (até às últimas consequências… quem contratou, autorizo, supervisionou, reviu, etc).

Diz-se que estão a pôr os bancos em tribunal… E então as pessoas que contrataram, aprovaram, supervisionaram, etc? Essas também têm que ser responsabilizadas, não basta serem despedidas.

Os swaps e todos os derivados são armas de destruição maciça se estiverem nas mãos de alguém mal intencionado ou que não os saiba usar.

Uma nota final: não faz qualquer sentido que cada Empresa estatal esteja a cobrir qualquer tipo de risco individualmente quando é provável que o mesmo Estado tenha um risco oposto noutro lado qualquer. Se, de facto, houver necessidade de qualquer cobertura de risco (o que a Alice duvida), ela terá que ser feita ao nível do Tesouro e nunca ao nível de cada uma das Empresas.

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