terça-feira, 4 de junho de 2013

Gaspar aposta tudo no vermelho


A Alice aprendeu muito em Las Vegas. A visita ao casino da praxe permitiu aprofundar temas como a natureza humana, a estatística e a vida em geral.



Depois de ter passado ao lado da sua sorte de principiante e de perder a módica quantia de $500, a Alice decidiu parar de jogar. Um dos seus amigos, igualmente desasado no que à sorte de principiante diz respeito, decidiu contra-atacar com a roleta. Dizia que tinha uma táctica infalível para ganhar dinheiro neste jogo.


A Alice, com igual dose de curiosidade e desconfiança, quis perceber qual era a dita manobra. Seria possível que um Português vindo de tão longe tenha descoberto o santo graal que o tornaria rico antes da falência do próprio casino? “É fácil”, retorquiu o seu amigo, “Se jogarmos sempre vermelho e dobrarmos sempre que perdermos, havemos de ganhar porque acaba sempre por sair vermelho… só há duas hipóteses, vermelho ou preto… é fácil!”.

A Alice ainda tentou chamá-lo à razão argumentando que, primeiro, ainda há mais uma hipótese (o zero é verde), pelo que a probabilidade, apesar de próxima de 50%, não é exactamente 50% e, segundo, os sucessivos lançamentos são estatisticamente considerados como observações independentes, pelo que a probabilidade aquando do lançamento da roleta é sempre a mesma: perto de 50% de sair vermelho (a probabilidade não aumenta à medida que aumenta o número de jogadas).

Foi a experiência científica mais rápida de concluir. Passados nem 15 minutos o rapaz já havia sido derrotado pela roleta. É que duplicar a aposta a cada derrota corresponde a uma progressão geométrica que rapidamente se pode tornar muito dolorosa (experimentem fazer os números: se começarmos com lances de apenas €10 e a roleta demorar 5 minutos por cada jogada, se nunca sair vermelho, o rapaz já perdeu, ao fim de uma hora, €40.000 com aquela magnífica táctica! …).

A Alice tentou consolá-lo rematando a questão: “Sabes, a tua táctica até nem era má de todo, o vermelho havia de sair um dia, tu só precisavas era de ter dinheiro infinito para continuar a jogar até que o malfadado saísse!…”.

Vem isto a propósito de Vitor Gaspar ter decidido que o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social deveria passar o patamar mínimo de 50% de investimento em dívida pública portuguesa para 90%. Ora, à boa maneira do jogador de roleta, o Ministro das Finanças está a dar instruções para que o FEFSS duplique a sua exposição à dívida portuguesa e deixe praticamente de ter outros activos (o resto terá que ficar em dinheiro vivo, numa aplicação de boas práticas internacionais mínimas de gestão de activos).

As intenções de Vitor Gaspar são fáceis de adivinhar. Ao consolidar a dívida pública, este investimento abaterá ao total da dívida, baixando o seu rácio sobre o PIB. Assim, ficará mais perto (ou menos longe) do cumprimento dos objectivos definidos.

A contrapartida deste tratamento cosmético da nossa dívida é a de fazer uma aposta sem precedentes com o dinheiro de todas as avozinhas e avozinhos (actuais e futuros) Portugueses!

O FEFSS foi criado para acudir a uma eventual emergência de insuficiência de fundos do orçamento do estado para fazer face às nossas pensões. O montante actual do fundo, cerca de 11.000 milhões de euros (nota que este é o número ventilado nos jornais, já que o último relatório publicado data de 2009), dá para cerca de um ano de pensões. Num momento como o que vivemos, o melhor investimento para este tipo de Fundo seriam activos internacionais, nem que fosse dívida pública de outros países. Caso alguma coisa de mau acontecesse a Portugal (por exemplo, a saída do euro), ao menos sempre se salvaguardariam as pensões relativas a um ano (que, num cenário deste tipo, até poderiam dar para mais anos…).

Ao apostar (esta decisão não pode ter outra qualificação) com o nosso dinheiro desta forma, Vitor Gaspar demonstra ser ainda mais perigoso do que os famosos actores do “mercado financeiro” que nos estão sistematicamente a impingir como justificação para todos os desmandos. Se isto correr mal, vai tudo ao fundo e nós (e as nossas poupanças) também vamos.

A Alice fica à espera da decisão sobre o que vai acontecer à estrutura montada para a gestão do Fundo que, de acordo com o que é dado a perceber no relatório de 2009, custa €2.500.000 por ano. Não é que seja um valor elevado em termos relativos face aos fundos geridos mas, convenhamos, para cuidar de uma carteira de dívida pública portuguesa que se destina apenas a fazer “netting” com a dívida pública emitida não serão precisos grandes magos da finança. Aliás, nem são precisos nenhuns, pode ser tudo directamente gerido pelo IGCP.

Aqui há tempos (Outubro do ano passado) a Alice estranhou a saída do Prof. Daniel Bessa da Presidência do Conselho Consultivo do FEFSS. Na altura ninguém se interessou por entender as razões desta saída. Percebe-se agora que uma das coisas que estavam a causar mau estar era a pressão, que já vinha sendo sentida há 3 anos, para que o FEFSS investisse mais dinheiro em dívida pública portuguesa.

Esta decisão é completamente irracional e, no mínimo, irresponsável, para não dizer que raia o criminoso. Depois não digam que a Alice não avisou.

Sem comentários: