quinta-feira, 13 de junho de 2013

A aldrabice da agricultura


Anda para aí uma nova moda da agricultura.

Ele é feiras regionais e nacionais de gado, ele é feiras de vegetais e tubérculos, ele é prémios nacionais da agricultura, ele é o fomento aos jovens agricultores, etc., etc. Tudo, obviamente, com digno lugar de destaque nos nossos órgãos de comunicação social. Com efeito, não há nada com mais poder mediático do que um amplexo enternecedor de um político de samarra a um trabalhador de galochas ladeado por um simpático representante da classe bovina.

Enquanto este engodo andou na esfera dos privados e semi-privados, a Alice torceu o nariz mas deixou passar. No entanto, ao ser promovido à categoria de assunto nacional pelo discurso do 10 de Junho do Presidente da República (80% do discurso foi sobre agricultura), a Alice não pode deixar de aplicar o seu rigor analítico a este tema.

A pergunta é simples: o que significa a última frase do discurso do Presidente da República, no que à agricultura diz respeito? “Temos de valorizar o espaço rural e apoiar os jovens que querem colocar o seu dinamismo e as suas qualificações ao serviço da agricultura. Já muito fizemos, mas podemos – e devemos – fazer mais e melhor.”

Vamos a factos (cálculos da Alice com dados da Comissão Europeia):



A agricultura tem em Portugal um peso no PIB de 1,3%, valor acima da média europeia (1,2%) e acima de países tão respeitáveis como a Irlanda (1,1%), a Alemanha (0,6%), o Reino Unido (0,6%), a Bélgica (0,5%) e a Suécia (0,4%).

Em termos de produtividade da área agrícola, estamos ligeiramente abaixo da média Europeia (cerca de 20%), apesar de estarmos num ainda digno 16º lugar na Europa a 27, acima de países tão veneráveis como a Polónia, Irlanda e República Checa.

Em termos de auto-suficiência (produção/consumo) estamos praticamente na média Europeia (152% vs. 165%) num honroso 16º lugar, acima da Holanda, Alemanha, Dinamarca, Irlanda e Bélgica, todos eles, produtores significativos.

Onde é que ficamos claramente distantes da média Europeia? Na população empregue na agricultura. Nós temos cerca de 10% da população activa empregue nesta actividade face a 5,3% da média europeia. Acima de nós só países pouco recomendáveis como a Roménia, Bulgária e mais um ou dois.

A aposta dos jovens na agricultura só irá dar lugar a mais gente empregue neste sector ou, se os jovens apostarem pelo lado da inovação e da produtividade (o único ângulo que a Alice vislumbra como bom para os jovens), a mais desemprego. Pelas estatísticas, acima reproduzidas, o caminho do sector para o desenvolvimento só pode passar por menos pessoas empregues para assegurar a competitividade a prazo do mesmo. Precisamos de explorações maiores, mais eficientes, a empregar menos pessoas e a ganhar mais dinheiro.

Isto significa que a agricultura não está assim tão mal como alguns dizem, razão seja dada ao Presidente da República que era uma das mensagens que queria fazer passar no seu discurso. No que ele não tem razão é em puxar dos seus próprios galões elogiando o ex-Primeiro-Ministro Cavaco Silva. O que podemos dizer é que a agricultura está assim apesar de Cavaco Silva e não necessariamente devido a Cavaco Silva.

Com efeito, existem muitos bons projectos neste sector, que o Presidente também fez questão de salientar (tomate, olival, florestal, etc.), mas eles devem-se à actividade de operadores privados e não de um desígnio nacional definido num qualquer gabinete esconso da Horta Seca (desde logo uma designação esclarecedora no que a esta temática diz respeito), de São Bento ou de Belém!

Os políticos têm de aprender, de uma vez por todas, que não são eles que ditam em que é que os empresários, jovens ou velhos, devem investir. Sobretudo quando, como neste caso, não há sequer uma base lógica e sustentada em factos para o fazer. Neste campo, a aposta do Presidente da República na agricultura vale tanto (ou tão pouco) como a aposta do Ministro da Economia na re-industrialização. Tudo ideias que ficam bonitas num discurso do 10 de Junho mas que em termos práticos correspondem a uma mão cheia de nada.

Façamos um exercício matemático simples. Admitamos que esta aposta do Presidente é um sucesso e que duplicamos a nossa produção agrícola em 10 anos. Tudo o resto constante (o célebre ceteris paribus dos economistas), tal corresponderá a um crescimento de 1,3% no PIB em 10 anos, grosso modo cerca de 0,1% ao ano. É esta a solução para o nosso crescimento?

Por favor, não enganem mais os Jovens!...

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