quarta-feira, 16 de outubro de 2013

O encanto das finanças



Há para aí um mal-entendido a respeito da atribuição do Prémio de Ciências Económicas (vulgo Nobel da Economia) a personagens aparentemente tão contraditórias (e alegadamente controversas) como Fama, Shiller e Hansen.

Não é que a Alice não tivesse outras preferências para atribuição do dito prémio. Nassim Taleb, autor de "The Black Swan", estaria mais adaptado aos dias que correm do que Fama. No entanto, tem contra si o facto de ser muito novo e de os suecos que decidem nunca terem primado pelo seu progressismo.

Comecemos pelo argumento de que a “Finança” (na sua generalidade) gerou a crise mundial que vivemos actualmente. Se professores e estudiosos tivessem que pagar pelo erro dos seus alunos e discípulos o que seria dos gurus da medicina quando morrem doentes mal diagnosticados ou dos professores de engenharia quando uma ponte cai ou quando há um acidente nuclear? Não se pode confundir a ciência com a sua aplicação prática.

Claro que há académicos que se passam para o “lado negro da força”. A Alice ainda não se esqueceu dos históricos Myron Scholes e Robert Merton, também eles laureados em 1997 pela contribuição para a valorização de derivados – os meus colegas lembrar-se-ão certamente do método Black-Scholes para avaliar opções. Estes cérebros espatifaram-se contra uma parede no malogrado “hedge-fund” Long-Term Capital Management, que foi socorrido por um consórcio de 14 instituições financeiras num “bailout” de €3,6bn (trocos para quem conhece a dimensão de problemas recentes, mas um dos maiores rombos financeiros à época).

Fama, Shiller e Hansen ficarão bem mantendo-se na academia e limitando-se a estudar as asneiras dos outros.

Há quem discuta ainda como é possível atribuir o mesmo prémio a Fama, que passou toda a sua vida a (tentar) demonstrar que os mercados são eficientes e que os preços reflectem o valor dos activos, e a Schiller, que era mais atreito a uma abordagem comportamental dos mercados e à ponderação de factores psicológicos (e irracionais).

Não há contradições na análise de cada um dos académicos, ao contrário do que poderá parecer à primeira vista.

O facto dos mercados poderem parecer irracionais (“irrational exuberance”, lembram-se?) não quer dizer que não o sejam de uma forma eficiente de acordo com Fama. Isto é, que incorporem todas as informações susceptíveis de influenciar os preços que todos os agentes possuem num determinado momento.

Mas tal também não quer dizer que os preços que resultem dos mercados sejam "eficientes" ou que conduzam a uma alocação de recursos "eficiente". Confusos?

A verdade é a de que os mercados são (em grande medida, mas não completamente) eficientes. Se assim não fosse seria possível ficar rico a “jogar nos mercados” e, ao contrário do que postulam alguns políticos menos informados, tal não acontece. Basta olhar para as rentabilidades de milhares de fundos por esse mundo fora para constatar que poucos batem, consistentemente, os “mercados” ou um macaco de olhos vendados a escolher activos à sorte!

Por outro lado, a dura realidade é que os mercados são dados a oscilações, modas, caprichos, irracionalidades temporárias, etc. A “Finança” como “ciência” (mais ou menos) exacta que se orgulha de ser, teve sempre dificuldade em compaginar estes achaques com as suas equações científicas. A disciplina popularizada por Schiller reconciliou a “Finança” consigo própria.

Fama e Schiller são faces da mesma moeda que faz funcionar esta mega “slot-machine” que é o mundo financeiro (sem desprimor para o mundo financeiro, claro). Sabemos hoje que os mercados não são 100% eficientes (e é desejável que não o sejam pois senão ninguém procuraria “bater” o mercado e ele tornar-se-ia ineficiente). Também sabemos que a noção de eficiência é relativa (eficiência na previsão de preços ou na alocação de recursos?). Haverá até quem conteste, com base nestas premissas, a atribuição deste prémio.

Citando de memória Fischer Black, outro génio das finanças (na opinião da Alice, o maior), que infelizmente não foi a tempo de receber o Nobel (faleceu em 1995 e o Nobel não é atribuído a título póstumo) com Scholes e com Merton (é ele o “Black” da célebre fórmula): “considero que o preço de um activo está razoavelmente certo quando a sua cotação dista menos de 50% do seu valor intrínseco”. A ironia de Fischer Black a garantir a conciliação final de Fama e Shiller e a dar-nos uma lição sobre os cuidados a ter quando aplicamos os modelos dos Financeiros, laureados ou não!

P.S. A Alice dedica este post ao Prof. Manuel de Oliveira Marques, desde há muitos anos a ensinar estes conceitos a plateias de alunos encantados e com quem a Alice aprendeu os fundamentos da matéria!

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