quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Um Plano para Portugal


"Would you tell me, please, which way I ought to go from here?"
"That depends a good deal on where you want to get to," said the Cat.
"I don’t much care where--" said Alice.
"Then it doesn’t matter which way you go," said the Cat.
"--so long as I get SOMEWHERE," Alice added as an explanation.
"Oh, you’re sure to do that," said the Cat, "if you only walk long enough."
(Alice's Adventures in Wonderland, Chapter 6) 


A citação acima referida é, por vezes, abreviada para "se não sabes para onde vais qualquer caminho serve... Mas vais ter muito que andar...".

A sensação que eu tenho é que Portugal tem sido gerido precisamente desta forma. Os próximos anos têm uma visibilidade muito difusa, apesar de termos a certeza que, inevitavelmente, teremos que pagar todos mais para manter o País "à tona". Para além disso,  sente-se um grande vazio de ideias, de convicções e de propostas inovadoras.

Eu percebo que atravessamos um momento muito difícil em que a "navegação à vista" e as urgencias do dia-a-dia se sobrepõem a grandes considerações estratégicas. No entanto, pelo menos um esboço de um plano nós precisamos de concretizar.

Temos, como um povo, que acreditar que depois da tempestade vem a bonança, que com a bonança vem um arco-íris e, de preferência, com um pote de ouro no final (ok, esqueçam o delírio, o arco-íris mesmo sem pote de ouro já seria bom!).

Ora, infelizmente, o Orçamento não é suficiente para este efeito. As Grandes Opções do Plano (as ultimas aprovadas para o período 2012-2015) poderiam ser um instrumento mais adequado se o seu prazo não fosse tão curto (para o efeito que se pretende e para a situação do País, 4 anos não chegam). Para além disso, o Governo assumiu-o como um exercício de retórica (para ser simpático e não dizer que tem 129 páginas das habituais baboseiras) em que não apresenta um único número para além de 2012!!!

O que eu gostaria de ver era um plano a 10 anos com metas quantificáveis e que fosse muito claro relativamente a um conjunto de variáveis que, quer se queira quer não, farão a diferença na vida de todos nós. Nomeadamente seria importante perceber:

- quando e quanto o país começará a crescer?
- quais os serviços que estarão a cargo do Estado? (RTP, Educação, Saúde, Defesa, CGD?)
- como será a organização do Estado? (desde o número de deputados e número de funcionários Públicos, ao número de freguesias, etc.)- quantos desempregados vamos ter?
- quanto será necessário cobrar de impostos e em que tipo de impostos (mais IVA, mais IRS, mais Património?)
- qual será a evolução do défice e da dívida pública?

Em resumo, qual o retrato que se pretende para o País nos próximos 10 anos. Tudo isto sem profissões de fé, sem estados de espirito ou de alma. Notem que eu não disse sem Política, porque é disso mesmo que se trata, fazer opções Políticas. A ideia não é a de que o Governo deve ser assumido por tecnocratas apolíticos que "... só se preocupam com números...".

Já ouço o canto das sereias a argumentar:

1. "Os Planos saem sempre furados." e "...eu nem sei o que me vai acontecer amanhã, quanto mais daqui a 10 anos...".

Bem, se é assim também não podemos saber que "... para o próximo ano já teremos inversão do ciclo..."; ou que "... A reposição dos subsídios ocorrerá no fim do programa de ajustamento...", etc. Ou nos contam a história toda ou não adianta contar aos bocadinhos...

Os planos são isso mesmo... Planos. São susceptíveis de ser revistos, alterados, melhorados, etc. (poderão, porventura, até ser modulados, mas isso eu já não sei como se faz). O facto de ser difícil acertar não é razão para não o fazer.

2. "Não depende só de nós pois estamos demasiado expostos internacionalmente" e, a última moda, "A despesa acertamos pois depende de nós, a receita já não controlamos" (ele disse mesmo esta pérola?...).

Até posso (com algum esforço) perceber estes argumentos no curto prazo. A dez anos há estratégias que se podem seguir e decisões que se podem tomar que alterem o rumo dos acontecimentos. Afinal de contas (ainda) somos um País.

3. "Não faz sentido fazer planos a 10 anos quando a legislatura é só de 4 anos".

Confesso que, por vezes, até acho que é só de 2 anos. Os últimos 2 são para preparar as eleições seguintes...

Novamente sublinho que Planos são isso mesmo, planos. Servem para explicitar (e explicar) quais serão os efeitos a longo prazo de decisões que se tomam hoje. Se alguém vier pelo meio e decidir apresentar um novo plano, tudo bem! Desde que seja sufragado em eleições e que o novo Governo tenha essa vontade de o fazer, não vejo dificuldade nenhuma em alterar. Até poderia ser um instrumento de disputa eleitoral. Pelo menos contribuiria de uma vez por todas para acabar com esta mania desagradável de se prometer uma coisa para eleições e fazer-se outra no dia imediatamente a seguir (ok, perdoem lá mais este delírio... Eles vão continuar nessa senda com ou sem plano).

4. "Isso é uma ideia muito economicista, querer definir tudo já em números..."

Para evitar ser deselegante com algumas cores politicas e algumas classes profissionais vou abster-me de rebater este comentário tão recorrente que funciona como o "canivete suíço" dos políticos ineptos quando ficam sem argumentação possível.


Acho que já todos demonstrámos ao longo dos últimos anos que temos, como Povo, uma razoável capacidade de encaixe (até ao dia...). Conquistámos o direito a saber para onde vamos.

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