terça-feira, 20 de novembro de 2012

O Fetiche da Reindustrialização



Na semana passada, John Kay publicou no FT um artigo com o título “Fetish for making things ignores real work”. A mensagem do artigo é a de que a indústria é considerada a peça central da actividade económica e tudo o resto é secundário, o que esquece o contributo para a economia de um conjunto de actividades que representam uma fatia enorme da criação de valor.

Argumenta o autor que quando se analisa a cadeia de valor dos produtos que consumimos hoje em dia apenas uma proporção muito pequena tem que ver com os processos de fabricação, montagem e de incorporação de trabalho produtivo (relativamente baratos num mundo globalizado).

O exemplo do iPhone é paradigmático, com a inscrição no próprio produto da frase: “Designed by Apple in California Assembled in China”. Notem o preciosismo (que a Alice adora) do desenho na Califórnia e não nos Estados Unidos! O valor acrescentado está no desenho, no “software”, na marca, i.e. na massa cinzenta em geral que o produto comporta.

Da mesma forma, um fato pode custar €50 numa grande superfície, €500 numa loja de pronto a vestir ou €1.000 num alfaiate conceituado. Parte da diferença de preço está obviamente na qualidade do tecido, na confecção, no “tailoring” mas, a grande diferença, está na marca e no design.

É neste contexto que surge a nova “buzzword” do Governo Português: a “Reindustrialização”. Depois de, no primeiro ano de governação, as baterias estarem apontadas para a Exportação, eis que surge agora um novo desígnio (provavelmente por se terem apercebido, como a Alice já vinha alertando, que Portugal não tem capacidade produtiva suficiente para sustentar as ambições de Exportação).

A Alice concorda com este esforço que o Governo Português pretende levar a cabo. É um facto que anos de políticas económicas erradas (não só Portuguesas, desde logo Europeias também) levaram a um desaparecimento paulatino da nossa indústria. Adicionalmente, não se pode desenhar políticas económicas para um País que gostaríamos de ter ao invés de aplicar políticas pragmáticas para o País que efectivamente temos (e, certamente, temos mais trabalhadores de colarinho azul do que de colarinho branco).

Em todo o caso, é necessário também desenhar políticas que incentivem actividades de massa cinzenta e de serviços. A Alice não vê nenhuma razão para não se apostar, a par com a indústria, no sector de turismo (já temos boa capacidade instalada aqui, é só trazer as pessoas), na agricultura, nas pescas, na arquitectura e design, nos serviços, etc.

No turismo não será de repensar a política fiscal (IVA, again)? Na Agricultura também não se poderá tentar atrair investimento estrangeiro de alguma dimensão (para o Alentejo, por exemplo)? Nos serviços não podemos ter um regime fiscal interessante para o “outsourcing” internacional?

Em questões de política económica (como em muitas outras na vida), o maniqueísmo das soluções milagrosas nem sempre é bom conselheiro.

No final, para onde queremos caminhar? Para o “designed in Portugal” ou o “Assembled in Portugal”


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