Antes
do mais, a devida declaração de interesses: o autor deste Blog tem, desde longa
data, relacionamento comercial com Empresas de capital de risco Públicas.
Assistiu, por isso, a todas as
transmutações que o sector teve praticamente desde a sua criação. É chegada a altura
de tirar conclusões sobre a eficácia dos vários modelos adoptados ao longo do
tempo.
Vem este tema a propósito de
uma magnífica entrevista dada pelo Prof. Paulo Soares Pinho ao Público (em http://www.publico.pt/economia/noticia/houve-durante-muito-tempo-excesso-de-dinheiro-facil-para-as-empresas-1584147)
que, a certa altura, afirma: “O modelo que se seguiu em Portugal foi entregar
os fundos comunitários ao capital de risco público e foram entregues pequenas
quantias aos privados. Temos um problema no capital de risco público:
praticamente não há histórias de sucesso para contar. É a falta de disciplina,
o facto de o principal operador ser o Estado (que não se envolve nas empresas
em que investe), a falta de parcerias com empresas internacionais...”.
O arranque do capital de risco
público foi marcado pela criação de duas Sociedades de Capital de Risco (SCRs),
com base regional, aquando da chegada do Programa PEDIP que foi, recorde-se, o
primeiro programa de apoio à indústria Portuguesa da Comunidade Europeia. Estas
SCRs chamavam-se Norpedip e Sulpedip. Como o nome bem indica, uma dedicada ao
Norte do País e outra dedicada ao Sul. Qualquer uma delas, respeitando o
programa que lhes deu origem, focadas na indústria.
Após esta primeira “vida”,
entendeu-se que a especialização geográfica não seria adequada e que faria mais
sentido ter um instrumento destinado aos grandes projectos e um outro mais
focado nos pequenos projectos. Foi assim que passamos a ter a PME Capital
(focada nos pequenos projectos) e a PME Investimentos (nos grandes projectos).
Deixo ao leitor o desafio de adivinhar qual se transformou em qual (pista: o “capital”
no nome da primeira não se refere à capital do País).
Houve também uma “vida” em que
se considerou que a especialização não deveria ser nem geográfica nem de dimensão,
mas sim sectorial. E, assim, nasceu a Inovcapital – antiga PME Capital - (para
se focar em projectos de tecnologia e inovadores) e manteve-se a PME
Investimentos (para os projectos ditos “tradicionais”).
A filosofia de actuação também
foi sofrendo alterações de percurso, com a organização destas Empresas a
alternar a sua lógica de funcionamento entre o investimento directo e o investimento
indirecto, através da gestão de fundos de Investimento.
Pelo meio houve, entretanto,
outros Fundos: FACCE (para a concentração de Empresas), Finova (para Fundos de
capital de risco); Fundo de Turismo (para o Turismo) e outros, mais ou menos
obscuros, certamente todos com objectivos válidos e estratégicos para a
economia Nacional.
E A Alice não se vai aqui
alongar com outras participações estatais, quer por via da presença da Caixa
Geral de Depósitos no sector (Caixa Capital), quer pela intervenção directa no
capital e/ou Fundos geridos por entidades Privadas.
Esta foi, em resumo, a história
do capital de risco público nos últimos 25 anos. Resta acrescentar que a todas
as alterações relatadas correspondeu um igual número de mudanças de Governo (ou
de tutela), cada um com uma nova visão estratégica para o sector.
O actual Governo, por seu
turno, decidiu proceder a uma nova (à sua) reincarnação do capital de risco
Público, sob uma lógica de racionalização que integra (quase) todos os
instrumentos ao seu dispor sob um mesmo tecto: a Portugal Ventures. Assim,
juntou a PME Investimentos, InovCapital, PME Investimentos, Fundo de Turismo e
FACCE, criando uma mega sociedade, com fundos sob gestão de €600 milhões e 180
participadas.
Os efeitos positivos desta
mudança seriam, sobretudo: (i) uma abordagem integrada de toda a intervenção
Pública através do instrumento capital de risco; (ii) maior facilidade em definir
a estratégica de actuação e os objectivos a alcançar; (iii) capacidade de “fogo”
mais elevada para fazer a diferença; (iv) possibilidade de promover a
consolidação sectorial em Empresas participadas.
Infelizmente, a Alice teme que
estes efeitos positivos não estejam a ser atingidos e que a dimensão desta nova
entidade esteja a dificultar a sua gestão. Com efeito, não se conhecem, até
hoje, consequências práticas desta integração, quer ao nível da estratégia de
actuação, quer ao nível das Empresas participadas e dos sectores
intervencionados (actuais ou futuros).
A Alice entende que a
intervenção Pública no capital de risco, após vários modelos testados, tem de
ser repensada.
Como podemos maximizar o valor
para a Economia (e, consequentemente, para os contribuintes) da capacidade Pública
instalada que temos neste sector (em competências e dinheiro)?
Provavelmente, a resposta é a
de que não faz sentido continuar a ter intervenção Pública no capital de risco,
por muito duro que seja assumir este facto. Os vários modelos fracassaram e a
Alice não vê nenhum que possa vir a conduzir a resultados significativamente
diferentes dos que foram obtidos no passado.
A solução passará por
privatizar a gestão dos Fundos em conformidade com as regras de gestão internacionalmente
aceites para o sector. Esta privatização poderia ser feita por todo ou numa
lógica de agregação de participadas (sectorial, dimensão, tecnologia, etc.) em fundos
especializados.
Estaria aberta a operadores
nacionais e internacionais e, porque não, aos próprios gestores das entidades
actualmente existentes. Afinal de contas são estes que melhor conhecem o portfolio dos Fundos, têm mais experiência de
investimento no seu âmbito, e que estão perfeitamente familiarizados com os mecanismos de
“Management Buy-Out”.
Esta medida, devidamente
articulada com a intervenção de organismos internacionais (por exemplo o FEI),
poderia inclusivamente potenciar o volume de fundos disponíveis para o sector.
Provavelmente, é altura do
capital de risco Público provar um pouco do seu próprio remédio e dos seus
gestores se tornarem também empresários.
3 comentários:
Cara Alice,
Como reza o velho ditado: "o pior cego é aquele que não quer ver". São inúmeros os casos internacionais onde teve lugar esta privatização. E porquê? Pois os resultados estão à vista de todos - gestão independente e profissional, ausência de conflitos de interesses, e know-how são valências que só poderão ser adquiridas por esta via.
Para terminar, deixo-te um desafio... Qual o efectivo contributo para o tecido empresarial e para a economia como um todo das politicas de fomento ao empreendedorismo tecnológico? E não falo apenas em Portugal. Vejam-se os casos do Reino Unido, da Alemanha, de França... Não será altura de olharmos para os nossos parceiros europeus e retirarmos conclusões das suas experiências? É que se o fizermos, rapidamente chegamos ao fenómeno correlacional entre o apoio publico a fundos de expansão e de buyouts, e a melhoria de performance das PMEs intervencionadas. Então porque temos nós uma marginalização projectos em detrimento de tudo o que for tecnológico? Terá alguma coisa a ver com o perfil de quem decide?
Caro Consolida+,
Muito Obrigado pelo seu comentário.
Não queria que houvesse algum mal-entendido no meu post. Concordo integralmente com o que diz sobre o impacto do capital de risco no fomento das Empresas (aliás pretendo escrever um post sobre isto) e concordo que não faz sentido que esse apoio seja só no que é tecnológico. Também não coloco em causa haver ou não apoios públicos. A única reflexão que eu pretendia fazer é quem os deve gerir, se empresas públicas ou privadas (e isto sem fazer qualquer apreciação crítica quanto a instituições, partidos políticos ou pessoas).
M/C,
Alice
Totalmente de acordo com o que escreveu. Só pretendo reforçar ainda mais essa opinião de deixar a gestão de fundos para privados, assumindo o Estado o seu papel natural de regulador e de aportador de liquidez para o mercado.
Quanto ao segundo tema, é de facto uma pena não termos pessoas com capacidade de entender o impacto deste instrumento junto das nossas PMEs, que são quem efectivamente contribuí para a tal retoma económica que todos ambicionamos...
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