terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

O Capital de Risco Público


Antes do mais, a devida declaração de interesses: o autor deste Blog tem, desde longa data, relacionamento comercial com Empresas de capital de risco Públicas.

Assistiu, por isso, a todas as transmutações que o sector teve praticamente desde a sua criação. É chegada a altura de tirar conclusões sobre a eficácia dos vários modelos adoptados ao longo do tempo.

Vem este tema a propósito de uma magnífica entrevista dada pelo Prof. Paulo Soares Pinho ao Público (em http://www.publico.pt/economia/noticia/houve-durante-muito-tempo-excesso-de-dinheiro-facil-para-as-empresas-1584147) que, a certa altura, afirma: “O modelo que se seguiu em Portugal foi entregar os fundos comunitários ao capital de risco público e foram entregues pequenas quantias aos privados. Temos um problema no capital de risco público: praticamente não há histórias de sucesso para contar. É a falta de disciplina, o facto de o principal operador ser o Estado (que não se envolve nas empresas em que investe), a falta de parcerias com empresas internacionais...”.

O arranque do capital de risco público foi marcado pela criação de duas Sociedades de Capital de Risco (SCRs), com base regional, aquando da chegada do Programa PEDIP que foi, recorde-se, o primeiro programa de apoio à indústria Portuguesa da Comunidade Europeia. Estas SCRs chamavam-se Norpedip e Sulpedip. Como o nome bem indica, uma dedicada ao Norte do País e outra dedicada ao Sul. Qualquer uma delas, respeitando o programa que lhes deu origem, focadas na indústria.

Após esta primeira “vida”, entendeu-se que a especialização geográfica não seria adequada e que faria mais sentido ter um instrumento destinado aos grandes projectos e um outro mais focado nos pequenos projectos. Foi assim que passamos a ter a PME Capital (focada nos pequenos projectos) e a PME Investimentos (nos grandes projectos). Deixo ao leitor o desafio de adivinhar qual se transformou em qual (pista: o “capital” no nome da primeira não se refere à capital do País).

Houve também uma “vida” em que se considerou que a especialização não deveria ser nem geográfica nem de dimensão, mas sim sectorial. E, assim, nasceu a Inovcapital – antiga PME Capital - (para se focar em projectos de tecnologia e inovadores) e manteve-se a PME Investimentos (para os projectos ditos “tradicionais”).

A filosofia de actuação também foi sofrendo alterações de percurso, com a organização destas Empresas a alternar a sua lógica de funcionamento entre o investimento directo e o investimento indirecto, através da gestão de fundos de Investimento.

Pelo meio houve, entretanto, outros Fundos: FACCE (para a concentração de Empresas), Finova (para Fundos de capital de risco); Fundo de Turismo (para o Turismo) e outros, mais ou menos obscuros, certamente todos com objectivos válidos e estratégicos para a economia Nacional.

E A Alice não se vai aqui alongar com outras participações estatais, quer por via da presença da Caixa Geral de Depósitos no sector (Caixa Capital), quer pela intervenção directa no capital e/ou Fundos geridos por entidades Privadas.

Esta foi, em resumo, a história do capital de risco público nos últimos 25 anos. Resta acrescentar que a todas as alterações relatadas correspondeu um igual número de mudanças de Governo (ou de tutela), cada um com uma nova visão estratégica para o sector.

O actual Governo, por seu turno, decidiu proceder a uma nova (à sua) reincarnação do capital de risco Público, sob uma lógica de racionalização que integra (quase) todos os instrumentos ao seu dispor sob um mesmo tecto: a Portugal Ventures. Assim, juntou a PME Investimentos, InovCapital, PME Investimentos, Fundo de Turismo e FACCE, criando uma mega sociedade, com fundos sob gestão de €600 milhões e 180 participadas.

Os efeitos positivos desta mudança seriam, sobretudo: (i) uma abordagem integrada de toda a intervenção Pública através do instrumento capital de risco; (ii) maior facilidade em definir a estratégica de actuação e os objectivos a alcançar; (iii) capacidade de “fogo” mais elevada para fazer a diferença; (iv) possibilidade de promover a consolidação sectorial em Empresas participadas.

Infelizmente, a Alice teme que estes efeitos positivos não estejam a ser atingidos e que a dimensão desta nova entidade esteja a dificultar a sua gestão. Com efeito, não se conhecem, até hoje, consequências práticas desta integração, quer ao nível da estratégia de actuação, quer ao nível das Empresas participadas e dos sectores intervencionados (actuais ou futuros).

A Alice entende que a intervenção Pública no capital de risco, após vários modelos testados, tem de ser repensada.

Como podemos maximizar o valor para a Economia (e, consequentemente, para os contribuintes) da capacidade Pública instalada que temos neste sector (em competências e dinheiro)?

Provavelmente, a resposta é a de que não faz sentido continuar a ter intervenção Pública no capital de risco, por muito duro que seja assumir este facto. Os vários modelos fracassaram e a Alice não vê nenhum que possa vir a conduzir a resultados significativamente diferentes dos que foram obtidos no passado.

A solução passará por privatizar a gestão dos Fundos em conformidade com as regras de gestão internacionalmente aceites para o sector. Esta privatização poderia ser feita por todo ou numa lógica de agregação de participadas (sectorial, dimensão, tecnologia, etc.) em fundos especializados.

Estaria aberta a operadores nacionais e internacionais e, porque não, aos próprios gestores das entidades actualmente existentes. Afinal de contas são estes que melhor conhecem o portfolio dos Fundos, têm mais experiência de investimento no seu âmbito, e que estão perfeitamente familiarizados com os mecanismos de “Management Buy-Out”.

Esta medida, devidamente articulada com a intervenção de organismos internacionais (por exemplo o FEI), poderia inclusivamente potenciar o volume de fundos disponíveis para o sector.

Provavelmente, é altura do capital de risco Público provar um pouco do seu próprio remédio e dos seus gestores se tornarem também empresários.

3 comentários:

Consolida+ disse...

Cara Alice,

Como reza o velho ditado: "o pior cego é aquele que não quer ver". São inúmeros os casos internacionais onde teve lugar esta privatização. E porquê? Pois os resultados estão à vista de todos - gestão independente e profissional, ausência de conflitos de interesses, e know-how são valências que só poderão ser adquiridas por esta via.

Para terminar, deixo-te um desafio... Qual o efectivo contributo para o tecido empresarial e para a economia como um todo das politicas de fomento ao empreendedorismo tecnológico? E não falo apenas em Portugal. Vejam-se os casos do Reino Unido, da Alemanha, de França... Não será altura de olharmos para os nossos parceiros europeus e retirarmos conclusões das suas experiências? É que se o fizermos, rapidamente chegamos ao fenómeno correlacional entre o apoio publico a fundos de expansão e de buyouts, e a melhoria de performance das PMEs intervencionadas. Então porque temos nós uma marginalização projectos em detrimento de tudo o que for tecnológico? Terá alguma coisa a ver com o perfil de quem decide?

Pinetree disse...

Caro Consolida+,

Muito Obrigado pelo seu comentário.

Não queria que houvesse algum mal-entendido no meu post. Concordo integralmente com o que diz sobre o impacto do capital de risco no fomento das Empresas (aliás pretendo escrever um post sobre isto) e concordo que não faz sentido que esse apoio seja só no que é tecnológico. Também não coloco em causa haver ou não apoios públicos. A única reflexão que eu pretendia fazer é quem os deve gerir, se empresas públicas ou privadas (e isto sem fazer qualquer apreciação crítica quanto a instituições, partidos políticos ou pessoas).

M/C,

Alice

Consolida+ disse...

Totalmente de acordo com o que escreveu. Só pretendo reforçar ainda mais essa opinião de deixar a gestão de fundos para privados, assumindo o Estado o seu papel natural de regulador e de aportador de liquidez para o mercado.

Quanto ao segundo tema, é de facto uma pena não termos pessoas com capacidade de entender o impacto deste instrumento junto das nossas PMEs, que são quem efectivamente contribuí para a tal retoma económica que todos ambicionamos...