terça-feira, 21 de maio de 2013

O Fisco ganha à comissão


A Alice não podia ser mais favorável à introdução de mecanismos de avaliação e de prémios na administração pública em geral e na autoridade tributária em particular. É isso que tem defendido neste blog. No entanto, entregar como bónus aos funcionários dos impostos 5% da receita da cobrança coerciva em 2012 é uma medida que falha claramente o alvo. 

A primeira questão passa por saber se a cobrança coerciva mede, ainda que aproximadamente, o desempenho da autoridade tributária. Não é preciso reflectir muito para perceber que não. 

A cobrança coerciva decorre de arrecadar impostos que os contribuintes se atrasaram a entregar ao Estado ou que não entregaram por estarem em litígio com o próprio Estado. Em alturas de crise, é perfeitamente natural que os atrasos e os litígios aumentem e a cobrança coerciva aumente proporcionalmente. Em suma, os funcionários do fisco estão a beneficiar da crise. 

Este facto é agravado pelo facto das taxas e coimas terem aumentado brutalmente em 2012. Os valores a cobrar aumentam pelo efeito das maiores taxas e, quando há incumprimento, os valores em falta são provavelmente maiores, aos quais acrescem coimas maiores. Neste caso, os colaboradores da autoridade tributária estão a beneficiar das decisões políticas de aumentar taxas e coimas, decisões que, obviamente, não dependem do seu desempenho. 

A realidade é que a actividade tributária é muito mais vasta do que a mera cobrança coerciva. Bastaria analisar a percentagem de colaboradores do fisco que estão ligados à cobrança coerciva (a Alice não tem o número mas desconfia que é muito baixa) para perceber que a cobrança coerciva nunca poderia servir para compensar o desempenho de todo o fisco. 

A segunda questão passa por perceber se este mecanismo de bónus estimula os comportamentos adequados nos trabalhadores da autoridade tributária. Com este sistema, o ideal é que os contribuintes não cumpram as suas obrigações fiscais. Só assim é que se gerará uma oportunidade para cobrar coercivamente. 

Em vez de se estimular a cobrança em “situações normais”, está-se a estimular a cobrança "em incumprimento". Não seria saudável que os fiscais do Estado, em vez de virem a posteriori controlar o que foi mal feito, viessem a anteriori aconselhar as Empresas sobre o tratamento fiscal a dar a certas questões mais controversas? 

Para além disso, haverá um esforço de cobrança a todo o custo, sem qualquer preocupação com a legitimidade do valor cobrado (sabe-se que, não raros casos, não existe) ou qualquer consideração quanto à capacidade de pagamento do contribuinte. 

Todos os colaboradores do fisco que não estejam directamente ligados com a cobrança coerciva não vão sentir grande estimulo para melhorar o seu desempenho. Afinal de contas, a sua capacidade de influenciar os prémios é nula! 

Já nem vamos comentar a necessidade de medir e controlar custos, medir e controlar qualidade dos serviços e minimizar erros, tudo matérias importantes que faria sentido integrar num sistema de incentivos a sério. 

Finalmente, a terceira questão prende-se com a ética ligada a esta medida, quer na relação de funcionários públicos com os contribuintes, quer na relação dos próprios funcionários públicos entre si. 

Com efeito, está na mão de um conjunto pequeno de cidadãos a capacidade e os instrumentos para decidirem em causa própria e no seu interesse (aumentar prémios) contra um conjunto de outros cidadãos. Para além disso, o poder que a autoridade tributária tem (para gerar prémios) é desproporcional face a qualquer outro colaborador da administração pública. 

A Alice considera que este sistema de remuneração variável não mede desempenho, não incentiva comportamentos adequados e distingue cidadãos e funcionários públicos entre si. É um sistema injusto e ineficaz. É mais uma área que exige a célebre reestruturação (ou é refundação?) do Estado! 

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